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Autoria
Morgan Housel
Morgan Housel

Ensaio publicado originalmente em 22 de março de 2022 no blog Collaborative Fund

Como pensam as pessoas

Neste planeta, já viveram 100 biliões de pessoas.

Hoje, quase oito biliões dessas pessoas estão vivas.

Cada uma delas tem uma história, mas poucas têm um microfone.

Cada uma dessas pessoas testemunhou algo de diferente e teve pensamentos únicos. A maioria sabe coisas que não conseguimos compreender e nós já passámos por coisas que ninguém acreditaria.

Muitos comportamentos são, porém, universais e abarcam gerações e geografias. As circunstâncias mudam, mas as reações das pessoas não. As tecnologias evoluem, mas as inseguranças, os ângulos mortos e a credulidade raramente o fazem.

Este artigo descreve 17 dos aspetos, na minha opinião, mais comuns e influentes de como as pessoas pensam.

É um artigo longo, mas cada ponto pode ser lido individualmente. Salte aqueles com que não concorda e releia aqueles com que concorda – isto é, em si mesmo, uma forma comum de como as pessoas pensam.

1. Todos pertencem a uma tribo e subestimam o quão influente é a tribo no seu pensamento.

Existem tribos em todo o lado – países, estados, partidos, empresas, indústrias, departamentos, estilos de investimento, filosofias económicas, religiões, famílias, escolas, cursos, credenciais. Todas adoram a sua tribo porque há conforto em saber que outras pessoas compreendem o seu passado e partilham dos seus objetivos.

Mas as tribos têm as suas próprias regras, crenças e ideias. Podemos discordar de algumas; algumas são na realidade abjetas. No entanto, continuam a ter apoio porque ninguém quer correr o risco de ser ostracizado por uma tribo que é parte da sua identidade. Assim, as pessoas concordam voluntariamente com ideias más, ou ficam cegas pela lealdade tribal sobre o quão más são aquelas ideias.

2. O que as pessoas apresentam ao mundo é uma pequena fração do que acontece no interior das suas cabeças.

A Biblioteca do Congresso contém três milhões de livros, ou qualquer coisa como um quarto de trilião de palavras.

Estima-se que toda a informação disponível na internet ultrapassa os 40 triliões de gigabytes, o que é aproximadamente suficiente para gravar um vídeo de alta-definição com duração de 14 biliões de anos desde o Big Bang.

Muito da História foi gravado.

Mas depois recordámo-nos, isto é apenas o que foi partilhado, gravado e publicado. É uma quantidade ínfima do que realmente aconteceu e uma quantidade infinitesimal do que passou pela cabeça das pessoas.

Por mais que saibamos o quão loucas, estranhas, talentosas e perspicazes as pessoas podem ser, estamos cegos para talvez 99,99999999% disso. Os “partilhadores” mais prolíficos revelam talvez um milésimo de um por cento das suas experiências e pensamentos.

Um efeito disto é que temos uma falsa visão do sucesso. A maior parte do que as pessoas partilham é o que elas querem que vejamos. As habilitações são publicitadas, os falhanços escondidos. As vitórias são exageradas, as derrotas são minimizadas. A dúvida e a ansiedade raramente são partilhadas nas redes sociais. Soldados derrotados e CEOs fracassados ​​raramente dão entrevistas.

A maior parte das coisas é mais difícil do que parece e não é tão divertida quanto parece, porque as informações a que estamos expostos tendem a ser uma compilação do que as pessoas querem que nós saibamos sobre elas para aumentar as suas próprias probabilidades de sucesso. É mais fácil convencer as pessoas de que somos especiais se elas não nos conhecerem suficientemente bem para ver todas as formas pelas quais não o somos.

Quando temos plena consciência das nossas próprias dificuldades, mas não vemos as dos outros, é muito fácil concluir que estamos a ignorar alguma capacidade ou segredo que os outros têm. Por vezes, isto é verdade. Na maior parte das vezes, estamos simplesmente cegos para o facto de que toda a gente está a “inventar” à medida que avançam, um desafio de cada vez.

3. As previsões têm tudo a ver com as probabilidades e colocá-las a nosso favor. Mas os observadores julgam-nos sempre em termos binários, certo ou errado.

Há uma cena no filme Zero Dark Thirty onde o diretor da CIA questiona uma equipa de analistas que afirma ter localizado Osama Bin Laden.

“Estou prestes a olhar o presidente nos olhos”, diz ele. “E aquilo que eu gostaria de saber, sem tretas, muito simplesmente, ele está lá, ou não?”

O líder da equipa diz que há 60% a 80% de probabilidades de Bin Laden estar no complexo.

“Isso é um sim ou um não?” pergunta o diretor.

Uma jovem analista intervém. “Cem por cento de probabilidades de ele lá estar”, diz ela.

Todos ficam perplexos.

“OK, 95%, porque sei que a certeza vos assusta. Mas é 100%”.

Isto é um bom exemplo de como as probabilidades podem ser desconfortáveis.

A ideia de que algo pode ser provável e não acontecer, ou improvável e mesmo assim acontecer, é um dos truques mais importantes do mundo.

A maioria das pessoas compreende que a certeza é rara, e o melhor que podemos fazer é tomar decisões quando as probabilidades estão a nosso favor. Elas compreendem que podemos ser inteligentes e estar errados, ou estúpidos e estar certos, porque é assim que a sorte e o risco funcionam.

Mas quase ninguém utiliza as probabilidades no mundo real, especialmente quando julgam o sucesso dos outros.

A maior parte das pessoas preocupa-se principalmente com: “Estavas certo ou errado?”

As probabilidades têm a ver com nuance e gradação. Mas no mundo real as pessoas só prestam atenção ao preto e branco.

Se dissemos que algo vai acontecer e acontece, estávamos certos. Se dissemos que vai acontecer e não acontece, estamos errados. É assim que as pessoas pensam, porque isto exige o mínimo de esforço. É difícil convencer os outros – ou nós mesmos – de que poderia ter acontecido um desfecho alternativo quando todos conseguem ver o resultado no mundo real.

O essencial aqui é que as pessoas pensam que querem uma visão precisa do futuro, mas o que elas realmente desejam é a certeza.

É natural que nos queiramos livrar da dolorosa realidade de não saber o que vai acontecer no futuro. Alguém que nos diz que há 60% de probabilidades de uma recessão acontecer não faz muito para aliviar essa dor. Até a podem estar a piorar. Mas alguém que diz: “Este ano vamos ter uma recessão”, dá-nos algo a que nos conseguimos agarrar e, com isto, assumimos, aparentemente, o controle do nosso futuro.

Após o raide a Bin Laden, o presidente Obama declarou que a probabilidade de Bin Laden estar realmente na casa-alvo eram de 50/50. Há alguns anos, ouvi um dos SEALS envolvidos na missão falar numa conferência. Segundo ele, independentemente de Bin Laden estar ou não naquela casa, a equipa sentiu que as probabilidades de morrerem todos na missão também eram de 50/50. Temos assim 75% de probabilidade de que o ataque poderia ter culminado numa catástrofe.

Não foi isso que aconteceu – mas esse desfecho alternativo não é um “mundo” ao qual se preste muita atenção.

4. Somos máquinas extrapoladoras num mundo onde nada muito bom ou muito mau dura para sempre

Quando estamos no meio de uma tendência poderosa, é difícil imaginar uma força suficientemente forte para mudar as coisas.

O que tendemos a ignorar é que o que altera as tendências geralmente não é uma força externa. São os efeitos colaterais subtis dessa tendência que corroem aquilo que em primeiro lugar a tornou poderosa.

Quando não há recessões, as pessoas ficam confiantes. Quando ficam confiantes, correm riscos. Quando assumem riscos, temos recessões.

Quando os mercados nunca caem, as avaliações sobem. Quando as avaliações sobem, os mercados podem cair.

Quando há uma crise, as pessoas ficam motivadas. Quando ficam motivadas, resolvem freneticamente os problemas. Quando resolvem problemas, as crises tendem a acabar.

Os bons tempos plantam as sementes da sua destruição por meio da complacência e da alavancagem, e os maus tempos plantam as sementes da sua recuperação criando oportunidades e dando origem à solução de problemas impulsionada pelo pânico.

Sabemos disto em retrospetiva. É quase sempre verdade, em quase todos os lugares.

Mas tendemos a saber “só” em retrospetiva porque somos máquinas extrapoladoras e desenhar linhas retas num gráfico, quando tentamos prever o futuro, é mais fácil do que imaginar como as pessoas se podem adaptar e mudar os seus comportamentos.

Na fermentação, quando atinge um determinado ponto, o álcool mata a levedura responsável pela sua própria produção. As tendências mais poderosas terminam da mesma forma. E este tipo de forças não é intuitivo; exige que consideremos não apenas como uma tendência afeta as pessoas, mas como esse impacto vai alterar o comportamento das pessoas de tal forma que pode acabar com a tendência.

5. Há limites para a nossa sanidade. O otimismo e o pessimismo vão sempre longe demais, porque a única forma de lhes conhecer os limites é ir um pouco mais além.

Jerry Seinfeld tinha o programa mais popular da televisão. E, precisamente nessa altura, ele acabou com ele.

Mais tarde, Jerry afirmou que “matou” a sua série enquanto estava no topo porque a única forma de identificar o topo é viver a queda, e ele não estava interessado nisso. Talvez a série continuasse a melhorar, talvez não. Jerry conseguia viver sem saber a resposta.

Se queremos saber por que motivo existem inúmeras histórias do mundo a ultrapassar os limites da sanidade, saltando de boom em fracasso, de absurdo em absurdo, é porque muito poucas pessoas têm a mentalidade de Jerry. As oportunidades são escassas e as pessoas não querem deixar nada em cima da mesa. Insistem em saber onde fica o topo.

A maioria das coisas no mundo são uma mistura de factos e emoções. Quanto aço pode uma fábrica produzir (um facto) e quanto estão os investidores dispostos a pagar por essa produção (uma emoção).

O importante é que as emoções não são algo que consigamos prever com uma fórmula.

Quanto vale uma bitcoin? Até onde pode subir a Tesla? Quão louca pode ficar a política até que os eleitores se revoltem? A única forma de responder a estas perguntas é adivinhar os humores das pessoas no futuro – o quão otimistas se vão sentir, no que querem acreditar e quão persuasivos são os contadores de histórias. O que é impossível de saber. Não sei qual vai ser a minha disposição logo à noite, quanto mais como um grupo de estranhos se vai sentir daqui a anos.

A única forma de encontrar os limites dos humores das pessoas – a única forma de encontrar o topo – é continuar a pressionar até termos ido longe demais, quando conseguirmos olhar para trás e dizer: “Ah, acho que aquele foi o limite”.

É tentador ver as coisas a ir do boom ao fracasso e pensar: “Por que raio é que as pessoas estão a fazer aquilo? Estarão loucos?”

Provavelmente não. Elas estão apenas a procurar, racionalmente, os limites com que toda a gente consegue lidar.

6. Ignorar que as pessoas que pensam o mundo de forma singular, de que nós gostamos, também pensam o mundo de forma singular, de que não gostamos.

Um perfil recente de Eliud Kipchoge, o melhor maratonista do mundo, descrevia a seguinte cena:

“Apertados numa sala cinzenta com horas para matar, os medalhados olímpicos fizeram o que qualquer um de nós faria: pegaram nos seus telemóveis, ligaram-se ao wifi e começaram a navegar o rio de mensagens congratulatórias.

Todos menos um. Kipchoge colocou o telemóvel à sua frente e não lhe tocou, permanecendo ali sentado – durante horas – num silêncio satisfeito.

Bashir Abdi, o medalha de bronze da Bélgica, relembra a história com gargalhadas de incredulidade, e adicionou uma frase, meio a brincar, que os praticantes do desporto já disseram muitas vezes sobre Kipchoge.

“Ele não é humano.”

Ele não é humano.

Podemos utilizar uma variação desta frase relativamente à maioria dos nossos ídolos – pessoas que atingiram o sucesso extremo. Gostamos deles porque eles fazem coisas que outras pessoas nunca considerariam, ou não conseguem sequer compreender.

Algumas destas características são incríveis e devemos admirá-las. Outras não.

Kanye West disse certa vez:

“Se querem ideias loucas e cenas loucas, música louca e essa forma louca de pensar, isso provavelmente virá de uma pessoa louca.”

Paul Graham disse-o desta forma: “Metade das qualidades distintivas da pessoa eminente são, na realidade, desvantagens”.

Andrew Wilkinson diz: “As pessoas mais bem-sucedidas são apenas um distúrbio de ansiedade ambulante domesticado para a produtividade”.

Sempre acreditei que as pessoas que são anormalmente boas numa coisa tendem a ser anormalmente más noutra. Ou talvez não sejam más, mas tenham algo que não necessariamente desejaríamos na nossa própria vida. Eles são “maníacos” naturais, extremos em todos os sentidos, bons e maus.

No entanto, é muito fácil ignorar este facto quando admiramos alguém. Torna-se perigoso quando admiramos uma pessoa pelas suas boas características, mas começamos a imitar as más porque acreditamos erradamente que foi isso que as tornou bem-sucedidas. Isto faz parte do ditado: “Nunca conheças os teus heróis”.

Para além das características pessoais, o ciúme é muitas vezes enganador porque não somos capazes de escolher as partes da vida de alguém para imitar. Naval escreveu:

“Certo dia, compreendi que, com todas as pessoas de quem eu tinha inveja, eu não podia simplesmente escolher pequenos aspetos da vida delas. Eu não podia dizer que quero o corpo dele, quero o dinheiro dela, quero a personalidade dele. Eu teria que ser aquela pessoa. Será que queremos mesmo ser aquela pessoa com todas as suas reações, os seus desejos, a sua família, o seu nível de felicidade, a sua visão da vida, a sua autoimagem? Se não estamos dispostos a fazer uma troca completa, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 100% de troca com quem essa pessoa é, então não faz sentido ter ciúmes.

Há alguns anos, David Brooks deu um exemplo do mundo real:

“Este mês, aconteceram duas coisas a Sandra Bullock. Primeiro, ganhou um Oscar de melhor atriz. Depois surgiram notícias de que o marido dela é um idiota adúltero. Portanto, a pergunta filosófica do dia é: Aceitaríamos este acordo? Trocaríamos um triunfo profissional tremendo por um golpe pessoal duríssimo?

Se demorou mais de três segundos para pensar nisto, o leitor está absolutamente louco.”

A admiração pode ser muito crédula.

7. Somos incentivados a maximizar a eficiência a tal ponto que não deixamos qualquer margem para erros, apesar da margem para erros ser o fator mais importante do sucesso a longo prazo.

O mundo é competitivo. Se não explorarmos uma oportunidade, a nossa concorrência fá-lo-á. Assim, a oportunidade é explorada até à exaustão o mais rapidamente possível.

Isto é ótimo – isto faz com que o mundo avance. Mas também tem um efeito colateral desagradável: quando todas as oportunidades são exploradas, não há espaço para erros e, quando não há espaço para erros, qualquer sistema exposto à volatilidade e ao acidente acabará por falhar.

Ao descrever o fiasco das cadeias de fornecimentos do ano passado, o CEO da Flexport, Ryan Petersen, explica:

“O que causou os engarrafamentos nas cadeias de fornecimentos? As finanças modernas com a sua obsessão pelos “retornos nos capitais próprios” (ROE).

De forma a conseguirem ROE elevados, quase todos os CEOs despojaram as suas empresas do máximo de ativos possível. Sem excesso de capacidade. Sem reservas estratégicas. Sem dinheiro no balanço. P&D mínimos.

Retiramos os amortecedores da economia na busca das melhores métricas de curto prazo. Agora, como estamos a enfrentar uma “tempestade de cem anos” de procura, as nossas infraestruturas simplesmente não conseguem acompanhar o ritmo.

As empresas globais de logística têm excesso de capacidade, não há reservas de chassis (reboques para transporte de contentores), não há contentores extras, não há capacidade extra de armazém. As marcas não têm inventário extra. Os fabricantes não têm componentes extra ou matérias-primas disponíveis.”

Petersen tem razão, mas parte de mim também tenta compreender os CEOs que maximizaram a eficiência porque, se não o tivessem feito, teriam sido eliminados pela concorrência. Esta é uma peculiaridade estranha do comportamento humano que incentiva as pessoas a maximizar o seu potencial até à destruição final.

Tantas pessoas esforçam-se por levar vidas eficientes, onde não se desperdiça nem uma hora. Mas quando não se desperdiça uma hora, não temos tempo para passear, explorar ou deixar que o pensamento vagueie – o que pode ser uma das formas mais produtivas de pensamento. O psicólogo Amos Tversky disse certa vez que “o segredo para uma boa pesquisa académica é estar sempre um pouco “subempregado”. Perdemos anos por não ser capazes de perder horas.” Uma pessoa bem-sucedida que deixa propositadamente intervalos de tempo livre na sua agenda acaba por se sentir ineficiente. E é, por isso poucas pessoas o fazem.

O paradoxo de que a margem para erros é essencial para a sobrevivência a longo prazo, mas maximizar a eficiência de uma forma que elimina a margem para erros, pode ser essencial para sobreviver a curto prazo, é estranho.

Aqueles que lutam contra isto – a rara empresa, funcionário ou economia disposta a sacrificar ganhos de curto prazo para a sobrevivência de longo prazo – são os excêntricos, raramente compreendidos, facilmente menosprezados, que têm um desempenho inferior na maior parte das vezes, mas sobrevivem o tempo suficiente para rir por último e conseguem os maiores retornos.

8. A melhor história vence.

Não é a melhor ideia. Não é a resposta certa. É quem conta a história que atrai a atenção das pessoas e as faz acenar afirmativamente a cabeça.

Sherlock Holmes disse: “O que fazemos neste mundo é uma questão de somenos importância. A questão é o que conseguimos fazer as pessoas acreditar que fizemos.”

Onde quer que exista uma troca de informação – onde quer que existam produtos, empresas, carreiras, política, conhecimento, educação e cultura – descobriremos que a melhor história vence. Grandes ideias mal explicadas podem não ir a lugar nenhum enquanto que ideias velhas ou erradas contadas de forma convincente podem desencadear uma revolução. Morgan Freeman pode narrar uma lista de compras e levar as pessoas às lágrimas, enquanto que um cientista sem o dom da palavra pode curar doenças e passar despercebido.

Mesmo quando a ideia certa ou um talento superior está a trabalhar, quase sempre há uma história poderosa em ação.

Charles Darwin não descobriu a evolução, ele simplesmente escreveu o primeiro e mais convincente livro sobre a evolução. Andrew Carnegie dizia que tinha tanto orgulho no seu charme e capacidade de travar amizade com as pessoas como na sua perspicácia nos negócios. Elon Musk é tão hábil em fazer com que os investidores acreditem numa visão como em engenharia. Rory Sutherland disse recentemente: “Ninguém teria ouvido falar de Jesus se não fosse São Paulo”.

O autor Elias Canette escreveu:

“As maiores multidões são atraídas pelos contadores de histórias. É ao seu redor que as pessoas se aglomeram mais densamente e ficam mais tempo... as suas palavras vão mais longe e permanecem mais tempo no ar do que aquelas das pessoas comuns.”

George Packer ecoa o mesmo:

“As narrativas mais duráveis ​​não são as que resistem melhor à verificação dos factos. São as que respondem às nossas necessidades e desejos mais profundos.

Se assumirmos que o mundo é governado pelos factos e pela objetividade – se assumimos que a melhor ideia vence, isto deixa-nos loucos. Mas é assim que as pessoas pensam. E isto, na realidade, é otimista, porque quando percebemos que podemos mudar o mundo explicando uma coisa antiga de uma forma nova ao invés de termos que criar algo realmente novo, começamos a ver muito potencial.

9. Somos atraídos pela complexidade quando a simplicidade é a verdadeira marca da inteligência e do conhecimento.

Às vezes, a extensão é necessária. Quando os Aliados se reuniram após a Segunda Guerra Mundial para discutir o destino da Alemanha, Winston Churchill observou: “Estamos a falar do destino de oitenta milhões de pessoas e isso exige mais do que oitenta minutos de discussão”.

Mas Edsger Dijkstra, cientista da computação, escreveu:

“A simplicidade é a marca da verdade — já devíamos saber isto, mas a complexidade continua a exercer uma atração mórbida. Quando damos uma palestra a um público académico que é cristalina do alfa ao ómega, o público sente-se enganado e sai da sala de aula a comentar entre si: “Isto foi bastante trivial, não foi? A dolorosa verdade é que a complexidade vende melhor.”

A dolorosa verdade é que a complexidade vende melhor.

É óbvio que isto é verdade.

Um tweet pode ser mais perspicaz que um livro, mas as pessoas pagam 20 dólares por livros e nunca pagariam um cêntimo por milhares de tweets. Cobramos a um cliente por dez frases de conselhos e eles saem enojados. Entregamos um relatório do tamanho da lista telefónica e eles pagam uma fortuna e recomendar-nos-ão aos seus amigos.

Porquê?

Por que motivo a complexidade e a extensão vendem quando a simplicidade e a brevidade bastam?

Algumas razões.

Uma é que a extensão é muitas vezes a única coisa que sinaliza esforço e ponderação. Os consumidores de informação raramente tentam dissecar um argumento de forma objetiva; isso é muito difícil. Ao ler, tentam apenas concluir se o autor é credível ou não. Isto soa bem? Passa no teste do algodão? O autor dedicou mais do que alguns segundos de pensamento neste argumento? A extensão e a complexidade são muitas vezes a única indicação de que um argumento foi ponderado ao invés de não ser mais que um palpite aleatório.

A segunda é que as coisas que nós não compreendemos criam uma mística em redor das pessoas que realmente as compreendem. Quando alguém compreende coisas que nós não compreendemos, temos dificuldade em julgar os limites do seu conhecimento nesse campo, o que nos torna mais propenso a aceitar os seus pontos de vista.

A terceira razão é que a complexidade transmite uma impressão reconfortante de controlo, enquanto que é difícil distinguir a simplicidade da falta de noção. Quanto mais botões tivermos para mexer, mais controlo sentimos que temos sobre a situação, porque a impressão de conhecimento aumenta. Prestar atenção a apenas algumas variáveis ​​enquanto ignoramos tudo o resto pode fazer-nos parecer ignorantes, mesmo que isto seja a coisa certa a fazer. Se um cliente pergunta: “E aqui, o que é que está a acontecer aqui?” e nós respondemos: “Ah, não faço ideia, não acompanhamos isso”, as probabilidades de parecermos desinformados podem superar as probabilidades de o cliente concluir que dominamos a simplicidade.

10. A disponibilidade para acreditarmos numa previsão é influenciada pelo quanto desejamos ou precisamos que essa previsão seja verdadeira.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?

O documentário How to Live Forever coloca esta pergunta inocente a uma centenária que respondeu de uma forma surpreendente.

“O Dia do Armistício”, respondeu ela, referindo-se ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918.

"Porquê?" pergunta o produtor.

“Porque sabíamos que nunca mais iríamos ter guerras”, declarou ela.

A Segunda Guerra Mundial começou 21 anos depois, e morreram 75 milhões de pessoas.

Há tantas coisas na vida que acreditamos que são verdadeiras apenas porque queremos desesperadamente que sejam verdadeiras. As pessoas fazem isto com os seus relacionamentos, carreiras, investimentos, pontos de vista políticos – qualquer coisa voltada para o futuro está sujeita a ser influenciada pelo nosso desejo de ter uma vida agradável.

Todos somos sonhadores porque é difícil viver o nosso quotidiano quando acreditamos genuinamente que o futuro será difícil. Uma ficção apelativa – acreditar no desfecho que desejamos, mesmo que seja improvável que se torne realidade – é muitas vezes o único conforto num mundo incerto.

Quanto mais temos a perder, mais verdadeiro isto se torna. Antes da medicina moderna, tivemos séculos de sangrias, terapia da fome, abertura de orifícios no corpo para libertar os maus espíritos e outros tratamentos que pioravam a situação, mas que davam às pessoas um pouco de esperança. Se precisamos desesperadamente de uma solução e nenhuma boa está prontamente disponível, o caminho de menor resistência é a disponibilidade para acreditar em qualquer coisa. Não é apenas uma questão de tentar qualquer coisa, mas também de acreditar.

A mesma coisa acontece nos investimentos, quando as pessoas ouvem avidamente as previsões de analistas cujo histórico é indistinguível da adivinhação. O mesmo na política. Quanto mais incerta empreitada, e quanto maiores os riscos do desfecho, mais somos atraídos pela resposta mais agradável. E se dissermos às pessoas o que elas querem ouvir, podemos estar errados indefinidamente sem qualquer penalização.

11. É difícil ter empatia pelas crenças de outras pessoas se elas experimentaram partes do mundo que nós não experimentamos.

Jason Zweig, do Wall Street Journal, escreveu na semana passada:

“Se lhe perguntar num questionário se tem medo de cobras, o leitor poderá dizer que não. Se lhe atirar uma cobra viva ao colo e depois perguntar se tem medo de cobras, provavelmente vai dizer que sim – se voltar a falar comigo.”

A diferença entre como nos sentimos do lado de fora e como nos sentimos quando experimentamos algo em primeira mão pode ter um quilómetro de largura.

Existem teorias de que as grandes guerras tendem a acontecer com 20 a 40 anos de intervalo, porque esse é o espaço de tempo necessário para que surja uma nova geração de eleitores, políticos e generais que não estão traumatizados pela última guerra. Outras tendências políticas – direitos sociais, teorias económicas, prioridades orçamentais – seguem um caminho semelhante.

Não é uma questão de que as pessoas se esqueceram. É que a empatia e a mente aberta não podem conseguem recriar o medo e a incerteza genuínos.

A minha teoria é que mais de metade de todos os desentendimentos – pessoais, domésticos, internacionais, financeiros – desapareceriam se conseguíssemos ver o mundo através dos olhos do nosso oponente e tivéssemos passado pelo o que eles passaram.

Nassim Taleb resume bem isto quando diz: “Se algo nos parece irracional – e tem sido assim há muito tempo – é provável que tenhamos uma definição errada da racionalidade”.

Algumas perguntas que todos nos devemos colocar a nós próprios:

De quais das minhas opiniões atuais eu discordaria se tivesse nascido num país ou geração diferentes?

O que é que eu não experimentei em primeira mão que me deixa ingénuo relativamente ao seu funcionamento?

Qual é o problema que eu acredito que se aplica apenas a outros países/indústrias/carreiras e que, eventualmente, poderá ter impacto sobre mim?

Estas questões, no entanto, são impossíveis de responder completamente. No fundo, estamos todos um pouco cegos para a forma como o mundo funciona, e quando pensamos que estamos a discordar de outra pessoa, estamos, na verdade, apenas a descobrir uma experiência que nunca tivemos.

12. Uma inocente negação das nossas próprias falhas, causada pela nossa capacidade de justificar os nossos erros na nossa própria cabeça de uma forma que não conseguimos fazer pelos outros.

George Carlin costumava dizer que é muito fácil identificar pessoas estúpidas. “Se levares um bloco de notas e lápis contigo, vais acabar o dia com 30 ou 40 nomes. Não leva muito tempo a encontrar um, pois não? São à volta de oito segundos.”

Como muita coisa na comédia, é engraçado porque é verdade.

Daniel Kahneman, no entanto, menciona uma verdade mais importante no seu livro, Thinking, Fast and Slow: “É mais fácil reconhecer os erros das outras pessoas do que os nossos”.

Eu acrescentaria a minha própria teoria: é mais fácil culpar a estupidez e a ganância pelos erros dos outros do que pelos nossos.

Isto porque quando alguém comete um erro, nós julgamo-lo apenas com base no que vemos. É rápido e fácil.

Mas quando cometemos um erro, há um monólogo longo e persuasivo na nossa cabeça que justifica más decisões e acrescenta um contexto importante que as outras pessoas não veem.

Todo nós somos assim. É normal.

Eis a razão pela qual isto acontece: o meu cunhado, um assistente social, disse-me recentemente: “Qualquer comportamento faz sentido com informação suficiente”.

É um argumento tão bom.

Vemos alguém a fazer uma loucura e pensamos: “Por que raio faria isto?” Depois, sentamo-nos com eles, ouvimo-los a falar da sua vida e, passado algum tempo, compreendemos: “Pois, até faz algum sentido”.

Todos somos um produto das nossas próprias experiências de vida, poucas das quais são visíveis ou conhecidas por outras pessoas.

O que faz sentido para mim pode não fazer sentido para si porque não sabe que tipo de experiências me moldaram e vice-versa.

A pergunta: “Por que motivo não concorda comigo?” pode ter infinitas respostas.

Às vezes, um lado é egoísta, estúpido, cego ou desinformado.

Mas geralmente uma pergunta melhor é: “Por que é que tu passaste que eu não passei que te faz acreditar no que acreditas? E eu pensaria no mundo como tu pensas se eu passasse pelo mesmo?

Esta é a questão que contém mais respostas que justificam a razão pela qual as pessoas não concordam umas com as outras.

Mas é uma pergunta tão difícil de fazer. É muito pouco confortável pensar que aquilo pelo qual ainda não passamos pode mudar as nossas crenças. Isto é admitir a nossa própria ignorância. É muito mais fácil e comum assumir que aqueles que não concordam connosco não refletiram o suficiente– especialmente ao julgar os erros dos outros.

13. Subestimamos a capacidade de pequenas coisas se transformarem em coisas extraordinárias.

A força mais surpreendente do universo é óbvia. É a evolução. O processo que guiou organismos unicelulares até um ser humano que consegue ler este artigo um iPhone com 500 GB de armazenamento. A coisa que é responsável pela visão 20/20 e pássaros voadores e sistemas imunitários. Nada na ciência nos consegue impressionar tanto como aquilo que a evolução conseguiu realizar.

A bióloga Leslie Orgel costumava dizer que “a evolução é mais esperta do que nós” porque sempre que um crítico diz “a evolução nunca poderia fazer isto”, geralmente falta-lhe imaginação.

A evolução também é facilmente subestimada devido à matemática básica.

O superpoder da evolução não é apenas selecionar características favoráveis. Esta parte é tão entediante que, se só nos concentramos nisso, ficamos céticos e confusos. Um milénio de mudanças na maioria das espécies é tão trivial que é quase impercetível.

A verdadeira magia da evolução é que ela seleciona características há 3,8 mil milhões de anos.

É o tempo, não são as pequenas mudanças, que move a agulha. Se pegarmos em mudanças minúsculas e as capitalizarmos durante 3,8 mil milhões de anos, conseguiremos resultados que são indistinguíveis da magia.

Esta é a verdadeira lição da evolução: se temos um número grande no espaço do expoente, não precisamos de mudanças extraordinárias para obter resultados extraordinários. Não é intuitivo, mas é muito poderoso. “A maior falha da raça humana é a nossa incapacidade de compreender a função exponencial”, costumava dizer o físico Albert Bartlett.

Muitas coisas funcionam assim.

Já ouvi muitas pessoas dizer que quando viram pela primeira vez uma tabela de juros compostos – ou ouviram uma daquelas histórias sobre o que teriam a mais na reforma se começassem a poupar aos 20 anos em vez de aos 30 anos – a vida delas mudou. Mas provavelmente não. Provavelmente ficaram estupefactos, porque os resultados não parecem intuitivamente corretos. O pensamento linear é muito mais intuitivo do que o pensamento exponencial. Michael Batnick já explicou isto. Se nos pedirem para calcular 8+8+8+8+8+8+8+8+8 mentalmente, conseguimos fazer isto nalguns segundos (é 72). Se nos pedirem para calcular 8x8x8x8x8x8x8x8x8, a nossa cabeça explode (é 134.217.728).

Uma área comum onde vemos esta deficiência em ação é no investimento.

Howard Marks falou certa vez sobre um investidor cujos resultados anuais nunca atingiram o quartil superior, mas, ao longo de um período de 14 anos, ele ficou entre os 4% melhores de todos os investidores. Se ele mantiver esses retornos medíocres durante mais 10 anos, ele poderá atingir o top 1% dos seus pares – um dos maiores da sua geração, apesar de não se destacar em qualquer ano.

No investimento, a maior parte das pessoas concentra-se no que é possível fazer agora, este ano, ou talvez no próximo ano. “Quais são os melhores retornos que consigo ganhar?” parece uma pergunta tão intuitiva de se fazer.

Mas, tal como na evolução, não é aí que a magia acontece.

Se compreendermos a matemática por trás dos juros compostos, concluimos que a pergunta mais importante não é “Como posso obter os maiores retornos?” É: “Quais são os melhores retornos que consigo sustentar pelo maior período de tempo?”

Essa é a grande lição do juro composto: menos foco na mudança, mais foco no expoente.

14. A diferença entre saber o que fazer e realmente conseguir que as pessoas o façam pode ser enorme.

Certa vez perguntei a uma médica: Qual é a parte mais difícil do seu trabalho?

Não era o stress ou a responsabilidade. Era muito básico. “Fazer com que os meus doentes façam o que eu peço”, disse ela.

A princípio não compreendi, mas quando ela me explicou, fez sentido.

"Tens uma consulta com um doente e dizes: 'Preciso que faça estas análises, marque uma consulta com este especialista, tome este medicamento'. E os doentes voltam passado um mês e não fizeram nada." Ou não podiam pagar, ou era demasiado intimidador, ou não tiveram tempo.

Ela explicou-me que tornar-se uma médica melhor significava passar mais tempo a gerir os seus doentes em vez de cuidar das suas doenças. Há uma enorme diferença, disse ela, entre um especialista em medicina e um especialista em saúde.

Um especialista em medicina sabe todas as respostas certas do livro. Conseguem diagnosticar com precisão e estão ao corrente de todos os tratamentos mais modernos.

Um especialista em saúde sabe que a medicina, do ponto de vista do doente, é assustadora, confusa, cara e demorada. Nada do que o médico diagnostica ou prescreve importa até que essa realidade seja abordada com os doentes, porque, mesmo uma solução perfeita não faz qualquer efeito no doente que não a segue.

Tantas coisas na vida funcionam assim. Investimentos, relacionamentos, saúde, carreiras. Em cada uma delas, saber o que devemos fazer não é assim tão difícil – fazê-lo é que exige mover montanhas.

Em muitos casos, isto é causado pelo apelo dos hacks – atalhos e truques para conseguir o que queremos sem pagar o preço. O doente não quer comer melhor e fazer exercício; querem um comprimido que resolva tudo. O investidor não quer esperar uma década para que o seu dinheiro capitalize; querem uma ação que duplique na semana seguinte.

Mas o mundo real abomina hacks e, em vez de uma vitória fácil, aqueles que os perseguem geralmente acabam com prejuízos. Vivemos assim num mundo onde as soluções para os problemas podem ser surpreendentemente simples, mas fazer com que as pessoas sigam conselhos simples pode ser incrivelmente difícil.

Isaac Asimov disse: “A ciência acumula conhecimento mais rapidamente do que a sociedade acumula sabedoria”, o que resume muitas coisas muito bem.

15. Somos maus a imaginar como será a mudança porque, nos sonhos, não há contexto.

Quando as coisas estão a correr bem, todos acreditam ter uma alta tolerância ao risco. Depois as coisas pioram e dizemos: “Ah, sabes, isto, na verdade, dói mais do que eu pensava”.

Quando pensamos nos riscos futuros, tendemos a pensar isoladamente. Se imaginarmos uma queda de 40% no mercado, imaginamos que tudo no mundo está igual, exceto que as ações estão 40% mais baratas. Isso não parece assim tão mau. Mas a razão pela qual as ações caem 40% é provavelmente porque as pessoas pensam que o mundo está a desmoronar-se – uma recessão brutal, uma pandemia, um colapso político, seja o que for. O stress que isto provoca é muito mais difícil de imaginar até que acontece.

A mesma coisa acontece quando imaginamos um ganho.

Acho que ainda não conheci ninguém que atingiu um sucesso desmedido que seja tão feliz como alguém que não o conhece poderia imaginar. Isto não significa que o sucesso não proporcione orgulho, contentamento ou independência. Mas raramente é aquilo que imaginávamos antes de o conquistar.

Jim Carrey declarou certa vez: “Acho que todos deveriam ficar ricos e famosos e fazerem tudo aquilo com que sempre sonhou para poderem ver que isto não é a resposta”.

Acho que isto é parcialmente a mesma razão pela qual prever as perdas é difícil: imaginar o contexto completo é duro.

Se imaginar o seu “eu” futuro a viver numa mansão, imagina-se a deliciar-se no esplendor e tudo a corre bem. O que é fácil de esquecer é que as pessoas em mansões também apanham gripes, têm psoríase, envolvem-se em ações judiciais, discutem com os cônjuges, são assoladas por inseguranças e irritam-se com os políticos – e isto pode, a qualquer momento, substituir qualquer alegria que vem do sucesso material. As fortunas futuras são imaginadas num vácuo, mas a realidade é sempre vivida com o bem e o mal juntos, a competir por atenção.

16. Estamos cegos para o quão frágil é o mundo devido à nossa incompreensão dos eventos raros.

John Littlewood foi um matemático que procurou desmascarar a ideia de que os milagres eram algo mais do que simples estatísticas.

O físico Freeman Dyson explica:

“A lei dos milagres de Littlewood afirma que, no decurso da vida de qualquer pessoa normal, acontecem milagres a uma taxa de aproximadamente um por mês.

A prova da lei é simples. Durante o tempo em que estamos acordados e ativamente ocupados a viver as nossas vidas, cerca de oito horas por dia, vemos e ouvimos coisas a acontecer a uma taxa de uma por segundo. Portanto, o número total de eventos que nos acontecem é de cerca de 30.000 por dia, ou cerca de um milhão por mês.

Estes eventos, com poucas exceções, não são milagres porque são insignificantes. A probabilidade de um milagre é de cerca de um por milhão de eventos. Portanto, devemos esperar que um milagre aconteça, em média, a cada mês.”

A ideia de que acontecem coisas incríveis por causa de estatísticas aborrecidas é importante, porque também é verdade para coisas terríveis.

Pense em eventos que, teoricamente, acontecem uma vez a cada 100 anos. Inundações, furacões, terramotos, crises financeiras, fraudes, pandemias, colapsos políticos, recessões económicas e assim por diante sem parar. Muitas coisas terríveis podem ser chamadas de “eventos de 100 anos”.

Um evento de 100 anos não significa que acontece apenas uma vez em cada 100 anos. Significa que há cerca de 1% de probabilidade de ocorrer em determinado ano. Isto parece uma probabilidade baixa. Mas quando existem centenas de diferentes eventos independentes de 100 anos, quais são as probabilidades de que qualquer um deles ocorra num determinado ano?

Bastante elevadas, na verdade.

Se no próximo ano houver 1% de probabilidade de uma nova pandemia desastrosa, 1% de probabilidade de uma depressão incapacitante, 1% de probabilidade de uma inundação catastrófica, 1% de probabilidade de colapso político e assim por diante, então as probabilidades de que algo mau irá acontecer no próximo ano – ou em qualquer ano – são... desconfortavelmente elevadas.

A Lei de Littlewood diz-nos para esperar um milagre a cada mês. O reverso da medalha é esperar um desastre com a mesma frequência.

Que é o que a história nos diz, não é?

A história é “apenas uma maldita coisa atrás da outra”, disse Arnold Toynbee. O livro de Dan Carlin, The End is Always Near, destaca períodos – de pandemias a guerras nucleares – em que parece que o mundo está a acabar. As crises existem em todas as épocas, todos os continentes, todas as culturas. As más notícias são a norma.

Mesmo durante aqueles que recordamos como períodos prósperos, como as décadas de 1950 e 1990, havia uma cadeia contínua de luto. Ajustado para o crescimento populacional, mais americanos perderam os seus empregos durante a recessão de 1958 do que em qualquer mês da Grande Recessão de 2008. O sistema financeiro global quase desmoronou em 1998, durante o maior boom de prosperidade que já vimos.

O mundo sofre uma crise brutal, em média, uma vez a cada dez anos. Para o seu país, estado, cidade ou empresa, uma vez a cada um ou três anos é provavelmente mais comum.

Às vezes parece um azar terrível, ou que as más notícias ganham um novo impulso. Mais frequentemente, é apenas a Lei de Littlewood em ação. Inúmeras coisas diferentes podem correr mal, assim pelo menos uma delas está a causar estragos quase permanentemente.

17. A incapacidade de aceitar problemas, coisas sem sentido e ineficiência frustra as pessoas que não conseguem aceitar como o mundo funciona.

Antes de publicar The Legend of Bagger Vance, Steven Pressfield já escrevia há 30 anos. Até essa altura, a sua carreira literária era obscura e Pressfield chegou até a viver numa “casa de passagem” para poupar na renda.

Certa vez, Pressfield falou sobre as pessoas que conheceu enquanto lá vivia:

“As pessoas daquela “casa de passagem”, costumávamos ficar na cozinha a conversar a noite toda, eram das pessoas mais inteligentes que eu alguma vez conheci e as mais engraçadas e interessantes.

E o que eu concluí ao conviver com elas e com outras em situação semelhante foi que elas não eram loucas. Eles eram, na verdade, pessoas inteligentes que viam para além da “treta” da sociedade. E por causa disso, não conseguiam “funcionar” no mundo.

Não conseguiam manter um emprego porque simplesmente não aguentavam a “treta” e foi assim que acabaram em instituições. A sociedade concluiu: “Bem, estas pessoas são refugo absolutas. Eles não conseguem encaixar-se.” Mas, na realidade, elas eram as pessoas que viam tudo.”

Este pode não ter sido o ponto de vista de Pressfield, mas isto recorda-me de algo em que acredito há muito tempo e é uma perceção de como tantas pessoas pensam.

Se reconhecemos que a “treta” é omnipresente, então a questão não é “Como consigo evita-la?” mas, “Qual é a quantidade que eu consigo aguentar e ainda assim, funcionar num mundo confuso e imperfeito?”

Se a tolerância é zero – se é alérgico a diferenças de opinião, incentivos pessoais, emoções, ineficiências, falta de comunicação e por aí adiante – as suas hipóteses de ter sucesso em qualquer coisa que exija outras pessoas são zero. Não consegue funcionar no mundo, como diz Pressfield.

Na minha opinião, muitas pessoas não têm tolerância suficiente para “treta”. Não estão no nível que Pressfield descreve. Mas há uma lacuna entre as suas expectativas e a realidade de como o mundo funciona.

O que as pessoas ignoram é que existem coisas más que se tornam problemas ainda maiores quando tentamos eliminá-las. Acho que as pessoas mais bem-sucedidas sabem reconhecer quando uma determinada aceitação supera a pureza.

O roubo é um bom exemplo. Uma mercearia poderia eliminar totalmente o roubo se revistasse todos os clientes que saíam da loja. Mas depois ninguém compraria lá. Portanto, o nível ideal de roubo nunca é zero. Aceitamos um determinado nível como um custo inevitável do progresso.

Uma capacidade única, e subestimada, é identificar a quantidade ideal de problemas e palermices que toleramos para progredir.

Franklin Roosevelt – o homem mais poderoso do mundo cuja paralisia fazia com que frequentemente os seus assistentes tivessem que o ajudar no quarto de banho – disse certa vez: “Se não consegues usar as pernas e te trazem leite quando querias sumo de laranja, aprendes a dizer “muito obrigado” e bebes."

Cada setor e carreira é diferente, mas há um valor universal nesta mentalidade, aceitar os problemas quando a realidade o exige.


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