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Autoria
Jamie Catherwood
Jamie Catherwood

Este artigo foi originalmente publicado no blog do Stokes Family office em 17 de março de 2022.

Guerra Económica: Uma Breve História

A guerra Rússia-Ucrânia e as rondas subsequentes de sanções económicas vieram destacar o importante papel do dinheiro nos conflitos armados.

Ao longo dos séculos, as nações utilizaram o dinheiro como um meio de controlo e influência geopolítica. Os instrumentos financeiros e sanções económicas foram utilizados ​​como qualquer outra arma.

De facto, a política externa do presidente americano William Taft ficou conhecida como a “Diplomacia do Dólar”. No seu discurso sobre o Estado da União em 1912, o presidente Taft referiu explicitamente a permutabilidade das armas tradicionais e da dívida, explicando que o objetivo da sua política externa era “substituir as balas por dólares”.

Este artigo recorre a casos de estudo históricos para demonstrar como, ao longo de vários séculos, o dinheiro foi utilizado como arma ou ferramenta geopolítica em conflitos.

PILHAGEM, SAQUES E CERCOS: A IMPORTÂNCIA DO DINHEIRO NO CONFLITO

A força financeira de um estado foi sempre um fator essencial na determinação de desfechos militares. No entanto, essa influência tornou-se mais pronunciada na Europa do século XVI. Considerando que 95% dos anos entre 1500-1599 na Europa aconteceram guerras, não é surpreendente que esse ponto de inflexão tenha acontecido na Europa do século XVI.

No entanto, por que motivo é que o dinheiro e as finanças se tornaram mais influentes para os desfechos militares especificamente neste período? A resposta está num conjunto de inovações tecnológicas conhecido como “Revolução Militar”. Em particular, a introdução da pólvora alterou drasticamente a forma como os exércitos travavam a guerra. Os historiadores Gennaioli e Voth explicam:

“A disseminação dos canhões depois de 1400 significou que as muralhas medievais podiam ser rapidamente destruídas. Fortalezas que resistiram a cercos de um ano na Idade Média podiam cair em poucas horas. Em resposta, os engenheiros militares italianos criaram um novo tipo de fortificação - o traço italiano. Consistia em baluartes de terra, cobertos por tijolos, que conseguiam resistir a tiros de canhão.

A construção destas novas fortificações era imensamente dispendiosa. A existência de numerosos pontos fortes significava que as guerras muitas vezes se arrastavam por longos períodos de tempo – vencer uma batalha já não era o suficiente para controlar um território.”

Em resumo, a pólvora facilitou o surgimento da guerra de canhões, o que levou à substituição das frágeis fortalezas existentes por fortificações mais fortes que conseguiam resistir ao fogo de canhão. Construir essas fortificações era dispendioso. No entanto, essas fortalezas mais fortes tornaram as batalhas mais longas, já que se tornou mais difícil destruir as fortalezas dos inimigos.

Num nível superior, as novas tecnologias como pólvora, canhões e armas de fogo exigiam que os soldados fossem treinados para conseguirem manuseá-las no campo de batalha. Essa necessidade operacional levou lentamente à criação de exércitos permanentes, que exigiam um maior investimento do estado. Consequentemente, os custos de organizar e manter um exército permanente eram escandalosamente caros antes mesmo de começar a guerra.

À medida que os custos de financiamento das forças armadas aumentavam, os países economicamente mais poderosos conseguiram uma vantagem significativa. O gráfico abaixo mostra o grau da vantagem que os países mais ricos possuíam durante a guerra, ao longo do tempo:

A GUERRA DA CONTRAFAÇÃO

A sua principal dependência não é das suas armas, acredito, mas sim da ausência das nossas receitas. Pensar que tomaram tais medidas, fazendo circular notas falsas, para depreciar a nossa moeda, para que ela não possa garantir o nosso crédito para além desta campanha. Contudo, eles estão enganados.
"John Adams"

À medida que o dinheiro se tornou mais influente no desfecho de conflitos militares, as nações em guerra rapidamente criaram estratégias para militarizar o dinheiro. Podemos encontrar um exemplo na Guerra Revolucionária, quando a Grã-Bretanha atacou o papel-moeda dos Estados Unidos (“continentais”) inundando o mercado com notas falsas. O objetivo era destruir o valor desse papel-moeda causando inflação devido ao excesso de oferta de notas. Benjamin Franklin protestou:

“O papel-moeda era, naquela altura, a nossa moeda universal. Mas, sendo ele o instrumento com o qual combatíamos os nossos inimigos, resolveram privar-nos do seu uso desvalorizando-o; e o meio mais eficaz que foi falsificá-lo. Os artistas que empregaram fizeram um tão bom trabalho que vastas quantidades dessas falsificações, emitidas pelo governo britânico em Nova York, circularam entre os habitantes de todos os Estados, antes que fosse detetada a fraude.

Isto teve o efeito de desvalorizar a totalidade da massa monetária, primeiro pela vasta quantidade adicional e depois pela incerteza em distinguir o dinheiro verdadeiro do falso; e a desvalorização foi uma perda para todos e a ruína de muitos.”

Os britânicos distribuíram notas falsas, fornecendo aos “Patriotas” desertores e aos “Lealistas” britânicos notas falsas para gastar em empresas locais. A operação de falsificação da Grã-Bretanha tornou-se tão grande e bem-sucedida que as penas por falsificação aumentaram significativamente. As autoridades americanas puseram as cabeças dos falsários a prémio e um desertor do 8º Regimento da Pensilvânia capturado com notas falsas foi condenado à morte por George Washington.

A contrafação por parte da Grã-Bretanha conseguiu desvalorizar a moeda americana e provocou inflação. Conforme se demonstra abaixo, o Índice de Preços ao Consumidor dos EUA atingiu 13,4% em 1778 e permaneceu acima de 10% de 1777 a 1781.

Este problema da moeda e da inflação teve o seu apogeu em 1781, quando 225 dólares em notas “Continentais” equivaliam a 1 dólar em espécie. Esta era uma situação terrível, já que o salário médio mensal dos soldados do exército continental era de apenas 5 dólares. Apesar de todos os danos causados ​​por esta campanha de contrafação da Grã-Bretanha, havia um lado positivo: as inovadoras obrigações indexadas à inflação.

Para combater a inflação galopante que corroía o salário dos soldados, Massachusetts emitiu obrigações indexadas à inflação para os soldados como um método de “compensação diferida” pelo seu serviço em 1780. Com o objetivo de proteger os pagamentos das obrigações da inflação, os valores foram indexados a um índice de preços ao consumidor.

Qualquer gráfico recente do rublo russo prova que o conceito de atacar a moeda de um inimigo em tempos de conflito ainda é amplamente praticado.

SANÇÕES COM PEDRAS RAI

Voltando ao conflito atual, a decisão dos aliados ocidentais de cortar o acesso da Rússia às reservas de moeda estrangeira é uma sanção economicamente significativa. Putin contava com essas reservas para sustentar o rublo quando as sanções ocidentais inevitavelmente chegassem, o que faria com que a moeda russa caísse a pique. No entanto, tal como Matt Levine da Bloomberg tão eloquentemente explicou:

““Reservas em moeda estrangeira” não são um facto objetivo; são principalmente uma série de entradas em listas mantidas por emissores de moeda estrangeira e intermediários (bancos centrais, bancos correspondentes, emissores de títulos soberanos, corretoras, etc). Se essas pessoas o riscam da lista ou colocam um asterisco ao lado da sua entrada congelando os seus fundos, é impossível utilizar esses fundos.”

Esta estratégia de bloquear o acesso a ativos financeiros importantes para enfraquecer um adversário não é nova. Na verdade, esta situação é semelhante à que aconteceu na ilha de Yap, no Pacífico. No entanto, devemos abordar, em primeiro lugar a singular moeda de Yap.

Os nativos de Yap utilizaram "pedras rai" como moeda durante séculos. Estas “pedras”, contudo, são enormes discos de calcário que pesam até quatro toneladas e podem atingir os 3,5 metros de altura.

Os residentes de Yap viajavam de canoa até à ilha de Palau, rica em calcário, e “cunhavam” (extraíam) esta moeda bizarra. Depois do regresso a Yap, o chefe local avaliava publicamente cada pedra rai com base no seu tamanho e peso. Os locais compravam posteriormente as pedras rai em frente aos seus pares para que existisse uma “prova de transação” pública.

Embora estranho para os padrões modernos dos países economicamente desenvolvidos, este sistema funcionava para Yap. Quando Yap ficou sob administração alemã (colonização) no século XIX, no entanto, a singular moeda dos ilhéus sofreu problemas semelhantes aos que Vladimir Putin enfrenta hoje.

Quando as autoridades alemãs quiseram melhorar as estradas e caminhos em Yap, encontraram forte resistência dos moradores locais, que se recusaram a concluir quaisquer obras nas estradas. No entanto, os alemães não conseguiam multar os chefes Yap, pois quaisquer multas pagas em pedras rai eram inúteis para os cidadãos alemães. A solução alemã foi “confiscar” as pedras rai locais, marcando-as com um enorme “X” negro. Os alemães anunciaram que as pedras permaneceriam confiscadas até que os moradores terminassem as obras nas estradas de Yap.

Embora este seja um exemplo extremo e bizarro, esta história tem claros paralelos com a guerra económica moderna. Tal como Matt Levine apontou, o acesso a ativos financeiros como reservas em moeda estrangeira ou pedras rai pode ser restringido com um simples asterisco ou um “X” negro. A história da ilha Yap demonstra que o dinheiro tem sido utilizado como ferramenta de controlo e influência há centenas de anos.

GEOPOLÍTICA DA DÍVIDA

A História demonstra que a dívida soberana é muitas vezes inseparável da geopolítica. Por exemplo, no seu “Manifesto Financeiro” de 1905, os bolcheviques russos argumentavam:

“Existe apenas uma saída – derrubar o governo, privá-lo das suas últimas forças. É preciso isolar o governo da última fonte da sua existência: as receitas financeiras. É necessário fazê-lo, não apenas para a libertação política e económica do país, mas, em particular, para restaurar a ordem nas finanças governamentais.

Decidimos, portanto: Recusar os pagamentos para recompra das terras e todos os outros pagamentos ao Tesouro. Em todas as transações e no pagamento de salários e vencimentos, exigir ouro e, no caso de quantias inferiores a cinco rublos, moeda viva. Retirar depósitos das caixas económicas estaduais e do Banco do Estado e exigir o reembolso total em ouro.

A autocracia nunca desfrutou da confiança do povo e nunca dele recebeu qualquer autoridade”.

A experiência da Bulgária no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial é um caso de estudo informativo sobre a utilização da dívida como arma geopolítica.

ENTRE A ESPADA E A PAREDE: BULGÁRIA, PODERES EUROPEUS E DÍVIDA

Após ter alcançado a independência do Império Otomano em 1878, a Bulgária tornou-se imediatamente num campo de batalha financeiro onde diferentes alianças europeias se digladiaram. Para países mais pequenos e economicamente menos estáveis, como a Bulgária, garantir financiamento externo, através de empréstimos de grandes potências europeias, era fundamental para a sobrevivência. No entanto, esses empréstimos raramente eram transações financeiras diretas.

“A partir da década de 1890, o recebimento de financiamento foi vinculado explicitamente à adesão a um ou outro dos blocos militares que estavam a desestabilizar cada vez mais a política europeia... onde os interesses estratégicos dos credores e devedores estavam alinhados, podia-se falar de uma forma de 'império por convite'”.

Por exemplo, aceitar um empréstimo da Rússia ou da França exigia o alinhamento de interesses com a aliança franco-russa e todas as consequências militares que isso acarretava. Se o país credor entrasse em guerra, o destino do país devedor estava ligado ao resultado da guerra. Se o país credor perdesse, o destino do país devedor poderia ser terrível. Portanto, países como a Bulgária eram forçados a avaliar os aspetos financeiros dos empréstimos estrangeiros (taxa de juros, etc.) e as consequências geopolíticas.

Para além disto, credores como a França, Rússia, Alemanha, Grã-Bretanha e Áustria-Hungria impunham frequentemente medidas de controlo significativas. Por exemplo, em 1902, a Bulgária aceitou um modesto empréstimo do banco Paribas em Paris que continha controlos dessa natureza.

O excerto abaixo é do relatório anual do Paribas de 1902:

“Juntamente com o Banco de Estado Russo, contratamos com o Governo do Príncipe da Bulgária um empréstimo de 5% em ouro garantido por taxas sobre o tabaco”.

Em suma, o Paribas tinha direito às valiosas receitas tributárias da indústria do tabaco da Bulgária.

Esta intrusão estrangeira e a subjugação ao controlo externo era impopular na Bulgária. Os empréstimos que autorizavam potências estrangeiras a qualquer elemento de controlo foram veementemente debatidos no parlamento.

A divisão causada por estes empréstimos foi bem demonstrada em 1914, quando os bancos alemães ofereceram à Bulgária um empréstimo com cláusulas de controlo igualmente intrusivas. O debate na casa legislativa da Bulgária culminou em violência:

“O primeiro-ministro, que discursava em defesa do empréstimo [alemão] Disconto, foi atingido na cabeça por um livro arremessado por um oponente furioso.

Na confusão, os funcionários parlamentares não conseguiram escrutinar quem realmente estava presente na Câmara, e nunca se estabeleceu de forma conclusiva se o empréstimo alemão havia, na realidade, conquistado a maioria que o governo de Radoslavoff mais tarde reivindicou.”

A decisão do governo búlgaro de aceitar este empréstimo foi desastrosa. Esta transação financeira e as “condições anexas” exigiam que a Bulgária se alinhasse com a Alemanha e as Potências do Eixo na Primeira Guerra Mundial, que acabaram por perder.

A utilização da dívida no exercício da influência geopolítica ainda é amplamente praticada. Recentemente, assistimos à China intervir para ajudar a Rússia depois de as sanções ocidentais terem afetado as suas finanças. Da mesma forma, a China instituiu em África uma política que alguns denominam “diplomacia da dívida armadilhada”, sobrecarregando as nações com dívida e tomando posse de valiosos ativos estatais quando as empresas africanas deixam inevitavelmente de pagar a monstruosamente elevada carga da dívida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A GUERRA DE SANÇÕES HOJE

Em 2008, num depoimento perante o Congresso, o então Secretário do Tesouro Henry M. Paulson declarou:

“Se temos uma bazuca e as pessoas sabem que a temos, talvez não seja necessário exibi-la.”

Esta lógica também pode ser aplicada à utilização do dinheiro e das sanções económicas em conflitos. O comércio e o poder económico podem atuar como um substancial dissuasor para a guerra, uma vez que os países reconhecem as consequências económicas de iniciar conflitos com países mais poderosos e ricos (ou com aqueles que são parceiros comerciais importantes).

Este breve retrato histórico realça como o dinheiro e os instrumentos financeiros são apenas mais uma arma nos arsenais dos países. Seja ao atacar a moeda de um inimigo, restringir o acesso a ativos financeiros valiosos e/ou utilizando a dívida para exercer influência geopolítica, o dinheiro é uma ferramenta para exercer o poder. 

Os métodos e meios pelos quais os países utilizam esta arma económica mudaram ao longo do tempo, mas os objetivos das sanções económicas hoje são os mesmos dos séculos passados: ferir o inimigo, ferindo a sua economia e restringindo o acesso às “linhas de vida” financeiras.

À medida que a prevalência das “guerras quentes” continua a diminuir, a guerra económica, ou seja, a militarização do dinheiro e das finanças, desempenha um papel cada vez mais importante na forma como as guerras são travadas.


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