Excerto da carta a clientes do 2.º Trimestre 

"Desde o início dos anos 90 que a economia global tem vindo a beneficiar de um prolongado período de inflação reduzida e estável. É consensual que a inflação baixa é um sintoma de várias forças deflacionárias estruturais que moldaram a economia global:

 

  • Transferência da manufatura para os países asiáticos reduziu o custo dos produtos no Ocidente;
  • O desmantelamento da URSS e a entrada da China na OMC levaram a um grande aumento na oferta de mão de obra de baixo custo e;
  • A proliferação de tecnologia levou a maiores ganhos de produtividade graças à automação dos processos de produção.

Conforme documentámos em “Navegando num ambiente inflacionário”, a pandemia global desencadeou um choque de oferta sem precedentes. Em poucas semanas de pandemia, os governos implementaram medidas fiscais agressivas para apoiar o emprego e o consumo. Os bancos centrais aceleraram o ritmo de compra de ativos e reduziram as taxas de juro, aumentando ainda mais a liquidez em todo o sistema financeiro. Estas ações resultaram num rápido aumento na oferta de dinheiro, num momento em que a oferta de bens era restrita. Como consequência, os primeiros efeitos da inflação começaram a sentir-se no primeiro trimestre de 2021. O conflito Rússia/Ucrânia, e consequente subida dos preços de energia, veio agravar ainda mais os números da inflação nas principais economias mundiais.

 

Para além disto, o mundo continua a enfrentar uma escassez de componentes críticos, tais como semicondutores, realçando a natureza frágil das cadeias de fornecimentos just in time; e mão de obra, pois muitas pessoas, que deixaram a força de trabalho durante a pandemia, ainda não voltaram.

 

O que significa isto para a economia?

 

Não é inconcebível que estas deslocações representem os primeiros passos numa mudança radical no status quo geopolítico e económico. As economias ocidentais são agora forçadas a enfrentar as fragilidades da globalização e as consequências da excessiva dependência de nações estrangeiras para o fornecimento de bens e serviços críticos. É difícil imaginar que, na década de 90, os EUA e a Europa representavam 90% da produção global de semicondutores. Hoje, no entanto, a sua quota caiu para apenas 20%. Estamos, portanto, a ver os governos ocidentais, em nome da segurança nacional, a abraçar a perspetiva de fornecimento e produção locais, mesmo que isso signifique preços mais altos para os consumidores.

 

A inflação está no nível mais elevado dos últimos quarenta anos. Os bancos centrais começaram a apertar a política monetária, aumentando as taxas de juro e reduzindo a compra de ativos. Há quem defenda que isto marca o fim de uma era de condições monetárias ultra-fáceis, caracterizada por taxas de juro em queda e inflação baixa. Alguns participantes do mercado temem que o aperto agressivo dos bancos centrais possa levar a economia a uma recessão. Isto não seria novo. Em 1980, Paul Volcker, presidente da Federal Reserve dos EUA, foi forçado a aumentar agressivamente as taxas de juro para conter as pressões inflacionárias que assolavam a economia.

 

A questão-chave, na nossa opinião, é até onde podem os bancos centrais aumentar as taxas de juro? Primeiro a crise financeira de 2008 e depois a pandemia em 2020, levaram os governos a nível global a acumularem grandes quantidades de dívida. Segundo o FMI, a dívida pública passou de cerca de 70% do PIB, em 2007, para 124% do PIB em 2020. Ora, o aumento das taxas terá certamente um impacto significativo nas finanças públicas.

 

Além disso, é pouco provável que uma política monetária mais rígida resolva a escassez de oferta de semicondutores ou adicione mais trabalhadores à economia global. Como resultado, alguns economistas temem que possamos estar prestes a enfrentar um ambiente estagflacionário à moda dos anos 70 – caracterizado por um crescimento económico reduzido com uma inflação elevada e persistente.

 

O que significa isto para os mercados financeiros?

 

O prolongado bull market impulsionado por condições financeiras fáceis chegou ao fim, com consequências para a alocação de capital de risco:

 

Menos financiamento para startups: o boom no financiamento de start-ups atingiu record histórico com mais de 130 mil milhões de dólares em 2021. No entanto, a realidade económica hoje é bastante adversa levando já a muitos despedimentos em Silicon Valley e a que um dos maiores fundos de capital de risco (Sequoia Capital) alertasse as empresas em que investiu para tempos difíceis num futuro próximo.

 

Redução do número de IPOs: o boom de financiamento de startups levou naturalmente a um maior número de empresas a cotar em bolsa. Várias empresas chegaram ao mercado com modelos de negócios não testados, dependentes de financiamento de capital barato para subsidiar o crescimento da receita. Numa era de dinheiro barato, os investidores estavam dispostos a pagar por estes nomes sonantes, com pouca ou nenhuma consideração pelos fundamentais económicos destes negócios.

 

Menos apetite por capital de risco: normalmente, quando os tempos ficam difíceis, os investidores vendem primeiro e fazem perguntas depois. As quedas no mercado de ações deste ano pareciam não distinguir a qualidade dos negócios subjacentes. No entanto, estamos agora a começar a ver uma maior diferenciação entre as empresas sonantes que perdem dinheiro e modelos de negócios mais testados pelo tempo.

O que significa tudo isto para o nosso portfólio?

 

O nosso portfólio não é imune às dinâmicas que descrevemos no início desta carta. Cada uma das variáveis exógenas tem impacto nos nossos investimentos de duas formas – nos fundamentos económicos e/ou na avaliação. Abordemos cada uma das variáveis individualmente:

 

 

  • Aumento das taxas de juro

O aumento das taxas de juro tem um impacto desproporcional nos ativos de longa duração, tais como obrigações e ações. À medida que o custo de capital aumenta, reduz-se o valor dos fluxos de caixa descontados, especialmente aqueles que estão mais distantes no futuro:

 

  • As obrigações com maturidades longas estão particularmente em risco pelo facto dos seus cupões serem fixos: à medida que as taxas de juro sobem, esses cupões valem menos. O recente aumento das taxas de juro explica por que razão estes títulos, normalmente vistos como um ativo seguro, não conseguiram proteger o capital neste ambiente. O Bloomberg Global Aggregate Index, uma referência para dívidas governamentais e de empresas, caiu 10% desde o início do ano.

 

  • As empresas de maior crescimento (e que por isso os seus cash-flows estão mais distantes no futuro) viram as suas cotações muito penalizadas. Uma vez que grande parte dos seus fluxos de caixa, acontecerão a longo prazo, quando descontamos estes valores a taxas de juro mais elevadas, o seu valor atual é menor. Qualquer fluxo de caixa a receber no futuro, para o qual calculamos uma estimativa de valor hoje, varia inversamente com a taxa de juro. Empresas deficitárias, tais como a Peloton e Teladoc caíram mais de 80% desde o início do ano.

 

No entanto, há uma grande diferença entre obrigações de taxa fixa e ações. Numa obrigação os rendimentos estão fixados à partida e não sofrem qualquer alteração com as flutuações da inflação. Por isso, estes investimentos perdem valor com o aumento da inflação e das taxas de juro. Em contrapartida, uma ação é uma fatia de um negócio, um ativo real, cujos cash flows também aumentam em períodos inflacionários (os produtos ou serviços que as empresas vendem sobem de preço). Isto faz com que o impacto da inflação e das taxas de juro não seja tão direto e negativo como numa obrigação.

 

Por isso, embora as taxas de juro afetem a cotação de algumas das empresas no nosso portfólio, acabam por ter pouco impacto nos seus fundamentos económicos. Um princípio fundamental da nossa abordagem é investir em negócios que geram elevados cash flows e com balanços sólidos. Isto significa que as nossas empresas não dependem de financiamento externo para crescer e beneficiam de proteção financeira robusta em períodos de abrandamento económico. Para além disso, são empresas com balanços com muito pouca dívida.

 

 

  • Inflação persistente

As empresas de qualidade não ficaram imunes às quedas do mercado. No entanto, acreditamos que se a inflação persistir, os mercados deverão, eventualmente, focar-se nos fundamentos económicos das empresas, separando o trigo do joio. Estamos convictos que as empresas com vantagens competitivas duráveis, margens e ROICs (retorno nos capitais investidos) elevados estão mais bem posicionadas para enfrentar um ambiente inflacionário.

 

Embora tenhamos discutido em detalhe esta dinâmica na nossa carta do primeiro trimestre, é importante reiterar que a inflação tem um impacto desproporcional nos negócios de margens reduzidas. As empresas com margens brutas elevadas estão mais bem posicionadas para absorver estes aumentos de custos. Por exemplo, a Estée Lauder, fabricante de cosméticos premium, tem gerado consistentemente margens brutas bem acima dos 70%, o que significa que desfruta de muito maior flexibilidade na gestão dos seus custos; para além da sua capacidade de passar esses custos aos consumidores finais.

 

 

  • Recessão económica

Embora o outlook de curto prazo permaneça incerto, as empresas que temos em carteira estão bem posicionadas para enfrentar uma tempestade económica. Isso é particularmente verdade para as empresas que fornecem serviços críticos a empresas: Microsoft, Adobe e Salesforce, cujos produtos estão profundamente enraizados na gestão diária de empresas de todo o mundo.

 

Considerações finais

 

Como escrevemos em “Quando chove ouro, pega num balde, não num dedal”, já testemunhamos 11 bear markets que levaram a uma queda média de 39% no S&P 500. Surpreendentemente, e apesar de todos os arautos da desgraça, os mercados, geralmente, recuperam muito rapidamente após esses eventos. Nos 12 meses seguintes a estas quedas, o S&P 500 sobe, em média, 52% (excluindo a Grande Depressão). Há momentos na história em que os investidores demoraram mais tempo para recuperar o seu dinheiro, como na Crise Financeira de 2008. No entanto, desde que permaneçam investidos durante a turbulência, os investidores tendem a recuperar o seu capital.

 

É importante lembrar que o caminho do sucesso não é isento de obstáculos. O ambiente macroeconómico e geopolítico é incrivelmente complexo e impossível de prever. É por isso que mantemos o foco na implementação consistente do nosso processo de investimento, tentando encontrar empresas com fossos competitivos duráveis, com ventos favoráveis de crescimento e geridas por pessoas honestas e capazes.

Muito obrigada pela sua confiança.

Com elevada estima, enviamos os melhores cumprimentos,

Emília O. Vieira

Chief Executive Officer

“Trabalhamos para que os nossos Clientes sejam Clientes antigos”


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