Voltar
Autoria
Nick Gallo
Nick Gallo

Artigo originalmente publicado no website Finmasters.com em 2 de março de 2022.

Robinhood e a Gamificação do Investimento

Investir em ativos que geram rendimento é um dos passos fundamentais no processo de construção de riqueza. As ações, em particular, formam a espinha dorsal de muitos portfólios. Infelizmente, apenas cerca de 56% dos americanos tinham ações em 2021.

A Robinhood tentou incentivar uma maior participação no mercado de ações adicionando características semelhantes a jogos à sua aplicação de negociação. Fazem-no sob a premissa de promover a sua missão de “democratizar as finanças para todos”.

Isto parece fantástico, mas a gamificação do investimento promove estratégias que beneficiam apenas as corretoras e não os investidores. Eis o que precisa de saber sobre o processo, como funciona, por que motivo é perigoso e como se proteger.

O que é a gamificação do investimento?

A gamificação do investimento refere-se às características adicionadas às aplicações de investimento que tornam a experiência do utilizador mais intuitiva, emocionante ou visualmente atraente. O seu objetivo é tornar a negociação de ações mais divertida para o consumidor médio, como jogar um videojogo.

Em contraste, imagine um ecrã monótono a preto e branco coberto de índices indecifráveis ​​e jargão financeiro. Este tipo de interface é intimidante para os não iniciados e provavelmente assustará potenciais investidores.

Podemos achar que uma aplicação de investimento amigável e acessível é uma coisa positiva. Em teoria, pode ser, mas há caveats. Na prática, pode trivializar a experiência, e muitas características de gamificação estão no limiar da manipulação e engano.

Como resultado, têm chovido críticas generalizadas sobre a prática, e os reguladores estão a intervir. A Securities and Exchange Commission (SEC) publicou um pedido formal ao público para comentários sobre a gamificação do investimento e “práticas de envolvimento digital”.

A Indústria Financeira da Autoridade Reguladora (FINRA) manifestou interesse em fazer o mesmo. Ambas as agências desejam avaliar se é necessária ação regulatória para proteger os consumidores dos riscos que essas práticas apresentam.

Mais drasticamente, o secretário William Galvin, da Massachusetts Commonwealth, acusou a Robinhood de utilizar “táticas agressivas para atrair novos investidores, muitas vezes inexperientes” e empregar “estratégias como a gamificação para incentivar a utilização contínua e repetitiva da sua aplicação de negociação”. Linguagem contundente.

Como funciona a gamificação do investimento

É difícil articular adequadamente os perigos da gamificação do investimento como um conceito puramente abstrato. Para concretizar um pouco mais as coisas, analisemos algumas das práticas reais que plataformas como a Robinhood estão a implementar.

Recompensas Animadas

Um dos primeiros sinais de alarme que chamaram a atenção para a questão da gamificação foram os famosos da Robinhood. Nas versões anteriores da aplicação, após cada transação, choviam confettis confettis no ecrã, reforçando a ideia de que cada uma das transações era um motivo para comemorar.

Na realidade, fazer mais transações é uma ótima maneira de perder dinheiro. Os daytraders de ações perdem quase sempre, e o investidor médio geralmente fica muito melhor servido se seguir uma estratégia de investimento menos ativa.

Houve tantas críticas aos confettis que a Robinhood acabou por removê-los da aplicação. Acabaram, no entanto, por apenas os substituir por padrões geométricos flutuantes, derrotando assim o objetivo da remoção.

Disclaimers e informação aos clientes inadequadas

A indústria dos serviços financeiros é altamente regulada e por boas razões. O dinheiro que as pessoas utilizam para financiar as suas reformas, pôr comida na mesa e pagar a educação dos seus filhos está muitas vezes em risco.

Grande parte dessa regulação tem a ver com informação que as empresas devem reportar aos seus clientes. É por isso que as empresas cotadas incluem informações relevantes nas suas demonstrações financeiras.

Infelizmente, interfaces alegres e parecidos com jogos deixam pouco espaço para este tipo de informação. Isto é perigoso num mundo onde as pessoas mal olham para os termos e condições. Estas empresas devem disponibilizar as informações críticas prontamente aos consumidores, ou nunca as levarão a sério.

Ênfase nas ações em alta

Uma das características mais perigosas da gamificação é a ênfase nas ações da moda. Assim como vemos num videojogo as dez pontuações mais elevadas, as aplicações geralmente destacam as ações com as oscilações de preço mais significativas, sejam elas positivas ou negativas.

Há um mar de investimentos por onde escolher hoje em dia, mas estas listas afunilam os investidores para alguns títulos mais voláteis que estão longe de serem lucrativos. Na verdade, geralmente são as ações mais sobrecompradas do mercado.

Estas listas promovem hábitos de investimento terríveis, especialmente entre os jovens investidores que são mais fáceis de influenciar. Eles podem acabar por despejar dinheiro numa ação simplesmente porque ela subiu ou desceu mais do que as outras naquele dia.

Incentivos de lotaria

Por último, mas não menos importante, muitas destas aplicações incluem sistemas de lotaria para incentivar comportamentos que não são necessariamente do interesse do investidor. Estes sistemas podem também fazer com que a experiência pareça mais um jogo do que um investimento, anestesiando ainda mais os utilizadores quanto aos riscos inerentes.

Por exemplo, a Coinbase enviou-me recentemente um e-mail com o seu último sorteio. Oferecem 500 mil dólares em prémios a oito vencedores afortunados. Para entrar no sorteio, só é preciso fazer uma transação no valor de 100 dólares ou mais.

As probabilidades de ganhar são baixas, mas isto é apenas outra forma de o incentivar a fazer trades mais ativamente, especialmente se for um investidor recente que hesita em começar. Claro que incorrerá numa taxa de corretagem incómoda se optar por comprar ou vender, mas eles não falam sobre isso.

Por que razão é a gamificação do investimento problemática?

Está na hora de irmos ao cerne da questão. Por que motivo estão os reguladores e eu tão desconfiados de que há intenções menos nobres por trás destas técnicas de gamificação? E que vulnerabilidades tentam estas táticas atingir que as torna tão insidiosas?

Analisemos estas questões uma por uma:

O conflito de interesses Corretor-Investidor

Na minha “vida” passada, auditava empresas para ganhar a vida. Uma questão importante no mundo da auditoria é manter a independência dos seus clientes para evitar potenciais conflitos de interesse.

A ideia é que não é possível emitir uma opinião imparcial sobre a precisão das demonstrações financeiras de uma empresa se tivermos ações em carteira ou se aceitamos um Porsche do seu CEO. Temos um incentivo monetário para lhes dar o nosso selo de aprovação.

Gerir interesses conflituantes como este é outra razão importante para a regulação no setor financeiro. Quando está dinheiro em jogo, as pessoas tendem a promover desfechos que lhes permitam arrecadar o máximo de dinheiro possível.

A relação corretor-investidor é terreno fértil para este problema. Os interesses destas duas partes são quase inteiramente conflituantes. A estratégia mais lucrativa para o investidor é muitas vezes a menos lucrativa para o corretor e vice-versa.

Isto costumava ser o caso por causa das comissões. No passado, de cada vez que se ligasse para a corretora, eles recebiam uma boa maquia por cada transação. Resultado? Tinham todos os motivos para o incentivar a fazer o maior número possível de transações.

Mas, como afirmamos no início, quanto mais transações fizermos, maior a probabilidade de perdermos dinheiro. É difícil fazer daytrading e ganhar dinheiro no curto prazo e quase impossível no longo prazo. Um estudo com utilizadores do eToro concluiu que cerca de 80% dos traders ativos na plataforma perdem dinheiro, com um retorno médio de -36,3% em 12 meses.

O modelo de pagamento por fluxo de ordens

As comissões de negociação não são uma preocupação na maioria das plataformas de negociação gratuitas modernas. No entanto, o conflito de interesse corretor-investidor permanece, graças ao controverso modelo de pagamento por fluxo de ordens. Eis como funciona:

Quando se dá início a uma ordem na Robinhood, eles enviam-na para um market maker – um criador de mercado. O criador de mercado facilita a transação, lucrando com a diferença entre o preço que a Parte A paga pelas ações e o preço pelo qual a Parte B as vende. O criador de mercado paga então uma parte desse lucro à Robinhood.

Por exemplo:

Digamos que quer vender ações. Executa a ordem por meio da Robinhood e eles enviam-na para um criador de mercado que as compra 100 dólares e simultaneamente as vende a outra pessoa por 100,10 dólares. Eles embolsam 10 cêntimos e pagam 3 à Robinhood.

É assim que a Robinhood gera cerca de 80% de seus lucros. É o que lhes permite oferecer transações sem comissões, mas temsido muito criticada pelos inúmeros conflitos de interesse que causa entre corretores e investidores. O mais relevante para esta discussão é que este modelo incentiva, mais uma vez, os corretores a maximizar o volume de transação.

O pagamento por fluxo de ordens é tão problemático que a SEC pode bani-lo completamente. O infame Bernie Madoff foi um dos seus primeiros e mais significativos proponentes.

A segmentação de investidores mais jovens

Uma das características marcantes das táticas financeiras predatórias é o foco em grupos vulneráveis. Os burlões da Internet atacam os idosos e as técnicas de gamificação visam os jovens investidores.

Como provavelmente consegue adivinhar, os entusiastas de videojogos não são, de uma forma geral, donos de habitação própria e não nadam em dinheiro, nem estão nos seus 50 ou 60 anos. Aproximadamente 38% dos jogadores de videojogos têm entre 18 e 34 anos e 21% são menores de 18 anos.

As técnicas de gamificação são particularmente eficazes neste público, que se sente mais familiarizado com estes tipos de interfaces. Como resultado, não será surpresa saber que cerca de 40% dos utilizadores da Robinhood têm entre 19 e 34 anos, com uma média de 31 anos. Estes são números “estranhamente” familiares.

Infelizmente, os jovens, quase por definição, têm menos experiência com investimentos. Quando se combina a sua falta de conhecimento com a maior tolerância ao risco que vem de um longo horizonte temporal e a ousadia da juventude, obtemos alvos perfeitos para os corretores que desejam incentivar a atividade.

Como nos protegermos da manipulação

Mesmo que os reguladores tomem medidas para impedir a gamificação do investimento, existirão sempre pessoas e empresas que utilizam táticas manipuladoras para lucrar com a necessidade de investir do público.

Em última análise, só nós podemos ser responsáveis por mantermo-nos seguros. Aqui estão, portanto, algumas medidas que podemos tomar para nos protegermos da manipulação.

Eduque-se

Como vimos anteriormente, os predadores financeiros visam principalmente os vulneráveis, tal como uma matilha de lobos persegue a ovelha mais lenta do rebanho.

A vulnerabilidade pode assumir muitas formas, mas a ignorância é uma das mais suscetíveis. Assim, aprender as estratégias de investimento mais confiáveis ​​e a mecânica das classes de ativos mais populares é um passo crítico para nos protegermos contra a manipulação.

Por exemplo, alguém armado com o conhecimento de que o daytrading é incrivelmente arriscado já se imunizou para a armadilha primária que a gamificação do investimento representa.

Quanto mais expandirmos a nossa compreensão sobre investimentos, mais confiança poderemos ter na nossa capacidade de tomar boas decisões e mais difícil será para os predadores nos ludibriarem.

Siga uma estratégia de longo prazo

No mundo das finanças, muitas vezes ouvimos as pessoas a dizer: “É uma maratona, não é um sprint”. Isto aplica-se a muitas coisas, mas especialmente aos investimentos, onde a paciência, consistência e disciplina são absolutamente fundamentais.

Considere, por exemplo, o mercado de ações. Se analisarmos os retornos do índice S&P 500 num determinado ano, encontraremos uma volatilidade assustadora. Caiu 8,78% em 1974, depois subiu 37% em 1975. Caiu 36,55% em 2008, depois voltou a subir 25,94% em 2009.

As probabilidades de escolher um ano positivo não são fantásticas. As probabilidades de escolher um mês, semana ou dia positivo são ainda piores. No entanto, se adotarmos uma perspetiva de longo prazo, o risco diminui. Repare nos melhores e piores retornos nos seguintes horizontes de tempo:

Horizonte Temporal Melhores Retornos Piores Retornos
5 Anos 30% -6,6%
10 Anos 20% -3%
15 Anos 20% 3,7%
20 Anos 18% 6,4%

Como pode constatar, quanto mais tempo estivermos dispostos a manter o rumo, maior é a probabilidade de ganhar. Tenha isso em mente ao escolher uma estratégia de investimento e desconfie de alguém que lhe tenta vender outra coisa.

Resista à tentação

Depois de compreender completamente o investimento e elaborar um plano inteligente de longo prazo, a única coisa que provavelmente o desviará do rumo são as decisões precipitadas. Normalmente, isto significa ficar ganancioso ou ficar com medo. Por exemplo:

  • O entusiasmo à volta da maior e mais recente criptomoeda é muito atraente. Não conseguimos resistir à tentação de lá pôr dinheiro, mas fazemo-lo imediatamente antes da bolha estourar.
  • O mercado de ações cai, e ficamos com medo, então vendemos tudo imediatamente antes do mercado fazer mínimos e perdemos toda a recuperação.

Estas histórias são velhas como o tempo. Todos somos suscetíveis ao medo de perder um bom negócio ou perder o que já construímos. Descobri que a melhor maneira de me proteger de cair nestas armadilhas é evitá-las completamente.

Não consulte constantemente o seu portfólio quando o mercado de ações estiver a cair, porque isso só vai perturbá-lo. E tenha cuidado com os vendedores, porque pode achar que o que eles estão a vender é bom demais para resistir.


Esclareça as suas questões comerciais com um representante da Casa de Investimentos.

Serviço disponível nos dias úteis das 8h às 18h.

Save & Grow

Seja dono do seu destino.

Saiba mais