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Autoria
Christian Billinger
Christian Billinger

Este artigo é da autoria de Christian Billinger, CIO na Billinger Förvaltning, uma gestora de investimentos familiar com sede na Suécia e sem capital externo e foi originalmente publicado no Manual Of Ideas Global a 29 de outubro de 2020.

Em defesa dos vieses cognitivos

Enquadramento

As finanças comportamentais, aplicadas ao mundo dos investimentos, concentram-se, de uma forma geral, nas irracionalidades na tomada de decisões. A tentativa de corrigir essas irracionalidades – alterando o seu processo de investimentos, etc. – é cada vez mais popular entre os investidores.

Não pretendemos, obviamente, contestar os resultados das experiências que constituem a base de grande parte desta disciplina, ou a validade de muitos dos conceitos desenvolvidos por pessoas como Kahneman, etc. Gostaríamos também de notar que, embora os textos das finanças comportamentais se refiram frequentemente a “erros de julgamento” na nossa forma de ver, alguns notáveis académicos na área enfatizam também que a sua mensagem é simplesmente que os modelos económicos tradicionais são pobres na descrição do comportamento humano (ao invés de notar que nós, humanos, temos muitas dificuldades em tomar decisões sob incerteza).

O que questionamos é a abordagem de pegar nessas conclusões e aplicá-las diretamente a um ambiente de "mundo real", onde lidamos com recompensas e probabilidades desconhecidas (e incognoscíveis). Acreditamos que aquilo que é considerado um "viés" é, na verdade, muitas vezes uma regra racional e pragmática para lidar com um ambiente incerto e complexo, especialmente para aqueles que desenvolveram, ao longo de períodos temporais consideráveis, conhecimentos nas suas respetivas áreas. O objetivo deste artigo é fornecer alguns exemplos de instâncias onde o que é descrito como irracional nas finanças comportamentais faz sentido quando aplicado ao "mundo real".

Outro aspeto a considerar é que as afirmações dos teóricos das finanças comportamentais são frequentemente baseadas no comportamento individual, e não no comportamento de grandes agregados como os mercados financeiros, que refletem o comportamento de um grande número de agentes. Isto torna ainda menos clara a relevância dessas ideias na prática.

O que a pesquisa sugere é que, na maior parte das vezes, o pensamento intuitivo funciona relativamente bem. Muitas vezes, esta intuição é também resultado de uma longa prática num campo específico. No entanto, é bastante menos provável que o pensamento intuitivo funcione bem quando está pressionado pelo tempo ou outros tipos de stress. Esta é uma das razões pelas quais as contribuições de Guy Spier relativamente à criação do ambiente "certo" são tão importantes; no seu excelente livro, The Education of a Value Investor, Guy mostra-nos como criou para si um ambiente mais propício ao investimento. Todos nós podemos aprender com ele e tentar criar o nosso melhor ambiente de investimento possível.

As finanças comportamentais e a pesquisa académica dos ‘vieses’ cognitivos são atualmente um campo muito vasto e, por isso, teremos necessariamente que nos concentrar nalguns aspetos que consideramos serem fundamentais para os investidores em ações de longo prazo; escolhemos quatro tópicos / "vieses" que consideramos serem altamente relevantes para os investidores em ações. Muito do nosso pensamento sobre este tópico foi formado com base em heurísticas (atalhos mentais) e vieses (especialmente Kahneman), na tomada de decisão sob incerteza (especialmente Taleb e Kelly), assim como nas percepções práticas de Warren Buffett e Charlie Munger, Tom Gayner, Guy Spier, Mohnish Pabrai, Nick Train, Terry Smith, etc.

Em última análise, estamos a tentar seguir o conselho de Charlie Munger quando diz: “Descubra o que funciona e faça-o”. Esta é na verdade a essência do que estamos a tentar descrever. Tentamos também incluir alguns exemplos de possíveis aplicações de cada "viés" no investimento em ações. Este artigo não é uma investigação técnica destas questões, mas sim uma análise das coisas que funcionaram para nós (e para outros) no passado e que estamos convencidos existirem motivos para acreditar que o farão no futuro.

A nossa ‘solução’ para lidar com estes supostos ‘vieses’ é, portanto, a seguinte:

  • Crie um ambiente pacífico para a leitura, reflexão e discussão (de forma a reduzir o impacto das emoções na tomada de decisões; isto, quando o conhecimento e as heurísticas têm menos probabilidade de funcionar melhor).
  • Aplique a sua experiência, se estiver a operar num campo em que esta seja relevante (este é o "círculo de competência"; se não estivermos neste círculo, não devemos sequer tentar responder à pergunta).
  • Aplique heurísticas se não dispuser de experiência explícita, mas apenas após ter passado as etapas acima. 

Os exemplos abaixo também se encaixam bem na nossa filosofia de investimento de longo prazo num pequeno número de excelentes negócios.

Um olhar por alguns "vieses" cognitivos no que diz respeito ao investimento em ações para o longo prazo

Aversão à perda

Muito simplesmente, a aversão à perda é a ideia de que os sentimentos negativos associados a uma perda de determinado montante são muito mais significativos do que os sentimentos positivos associados a um lucro do mesmo valor.

Na vida real, a aversão à perda faz muitas vezes sentido; estamos a lidar com séries temporais de retornos em que devemos fazer tudo o que for possível para eliminar os 'zeros' (ou seja, ir à falência / perder todo o nosso capital). Os valores esperados são relevantes num ambiente controlado de apostas repetidas, mas não no 'mundo real', onde “rebentar” significa que fomos eliminados do jogo (embora na gestão de dinheiro institucional seja comum criar novos veículos após o fracasso do anterior.)

Um exemplo da aplicação desta ideia no investimento em ações são os preços-alvo estabelecidos pelos analistas. Estes preços-alvo incorporam frequentemente algum tipo de "análise de cenários" em que o analista detalha um cenário otimista, um cenário central e um cenário pessimista, cada um com diferentes retornos e probabilidades. Estes cenários são agregados num preço-alvo e a ideia é comprar se as ações estiverem a transacionar abaixo desse "valor intrínseco" e vice-versa.

O problema é que, dependendo do nosso temperamento, nível de diversificação, alavancagem financeira, a nossa capacidade de suportar uma perda num determinado investimento será diferente. Isto pode significar que, por exemplo, mesmo que pareça haver potencial significativo relativamente à cotação atual da ação, poderemos não querer investir porque consideramos a perda potencial (mesmo sendo muito improvável que se materialize) demasiado grande.

A nossa solução para este problema é 1) ignore os preços-alvo, 2) considere sempre em primeiro lugar o risco de perda potencial de um investimento e 3) encare o investimento como parte de um portfólio global de investimentos.

De uma forma mais geral, tentamos evitar a perda permanente de capital de várias maneiras, por exemplo, investindo apenas em excelentes negócios, assegurar uma diversificação adequada, não utilizar qualquer tipo de alavancagem financeira.

Contabilidade mental

A contabilidade mental é um processo pelo qual classificamos diferentes desfechos financeiros e entidades.

Às vezes pensamos que isto faz sentido, outras vezes não; permitam-me dois exemplos.

No caso de “jogar com o dinheiro da casa”, o consenso geral (segundo John Kelly e outros) é que faz todo o sentido aumentar as apostas nas posições vencedoras, assim como reduzi-las nas perdedoras. Uma vantagem óbvia desta política é que (em princípio) eliminamos a possibilidade de perda total. Outra vantagem é que participamos nas subidas por via da capitalização composta do nosso capital.

Em termos práticos, acreditamos que uma das formas mais simples de conseguir isto, até certo ponto, é empregar uma filosofia de buy and hold com alguma liquidez de reserva. Assim, a nossa exposição ao mercado e a determinados títulos aumenta à medida que os preços sobem e vice-versa com a liquidez de reserva a eliminar o risco de ruína.

Noutras ocasiões, acreditamos que a contabilidade mental faz menos sentido, por exemplo, no que diz respeito aos retornos totais e à sua composição. É bastante comum investir parte de uma carteira em títulos com dividendos elevados, para acorrer a necessidades de fluxo de caixa. Defendemos que faz mais sentido investir com base numa expectativa de retornos totais e fazer vendas parciais à medida que se precisa de liquidez. Essas vendas podem substituir os dividendos e podemo-nos concentrar em gerar o retorno total "ótimo" (que não é necessariamente, ou até provavelmente, o maior retorno esperado possível). Focamo-nos nos retornos totais e esperamos que o rácio de pay out dos dividendos seja um reflexo das decisões de alocação de capital e oportunidades de reinvestimento nos negócios dos quais somos acionistas (embora, é claro, muitos negócios duráveis ​​de alta qualidade também tendam a ser ações com dividendos confiáveis).

Isto vem confirmar que, ao invés de aceitarmos simplesmente rótulos como "contabilidade mental", nós, como investidores, precisamos de pensar de forma independente sobre estas questões e a sua aplicação.

Viés do compromisso

Para quem leu o livro de Robert Cialdini sobre como influenciar outras pessoas, a ideia de compromisso e consistência é familiar. No investimento, a maioria de nós já ouviu o conselho "Nunca se apaixone por uma ação ..." (tal como declarou Peter Lynch e outros). 

Nós, investidores de longo prazo, achamos que este conselho nem sempre é útil. Embora monitoremos constantemente as empresas do nosso portfólio e empreguemos muito do nosso tempo a pensar no que nos poderá ter escapado, é essencial que estejamos profundamente comprometidos com as nossas participações acionistas. A relutância em vender qualquer coisa é um aspeto quase inevitável do verdadeiro investimento de longo prazo; embora, idealmente, desejemos manter as nossas posições vencedoras e livrar-nos das perdedoras, é muito difícil saber com antecedência quais das nossas participações pertencem a cada categoria! Preferimos manter os nossos investimentos até que surjam evidências claras de que as coisas estão "a dar para o torto" (infelizmente, isto habitualmente só se torna abundantemente claro quando a situação já é desesperada).

Nas palavras de Nick Train: “Existe uma dita sabedoria no mercado de ações da qual discordamos veementemente, e é a sabedoria que diz que nunca nos devemos apaixonar pelos nossos investimentos. Discordamos profundamente. Acreditamos que é absolutamente essencial apaixonarmo-nos ou ter um profundo, profundo compromisso, não apenas um compromisso intelectual, mas também, um compromisso emocional com as ideias que integramos no nosso portfólio de investimentos. De que outra forma conseguiríamos ultrapassar todos os obstáculos que se atravessam no nosso caminho ... até capturarmos todo o potencial de um investimento? “

Outros efeitos colaterais prejudiciais da falta de compromisso podem ser a alta rotatividade do portfólio e a falta de direção nas nossas atividades de gestão do portfólio.

Uma maneira excelente de criar algum compromisso é discutir ideias num fórum como o MOI Global, onde temos também a oportunidade de ser desafiados por investidores muito inteligentes e qualificados (é claro que muitos investidores acham que é melhor não falar publicamente sobre as suas participações para não desenvolver um compromisso excessivo). É, no entanto, absolutamente essencial estar disposto a ouvir o outro lado do argumento; uma das coisas que fazemos antes avançar com um investimento é questionarmo-nos: “o que poderia fazer com que este fosse um investimento terrível?” e ​​repetimos este exercício constantemente para todas as nossas participações. A questão não é mudar de curso simplesmente porque o valor de mercado da nossa carteira flutua ou por quaisquer outras razões arbitrárias.

Efeito de dotação

O efeito de dotação é a ideia de que geralmente damos mais valor a uma coisa quando já a possuímos.

Como investidores de longo prazo, faz todo o sentido que estejamos mais comprometidos com uma ideia sobre a qual já sabemos alguma coisa do que com uma ideia sobre a qual nada sabemos. Muitas vezes ouvimos o seguinte; ‘Se hoje não comprássemos ações, não as deveríamos ter em carteira”. Nós discordamos.

Para além dos impostos e custos de transação, encontramos alguns motivos pelos quais acreditamos que o efeito de dotação faz sentido em muitos casos. Um deles é que, com o tempo, aprendemos cada vez mais sobre os negócios em que investimos e esta é geralmente uma forma de aprendizagem que não aconteceria se não tivéssemos “pele no jogo”. A título de exemplo, Tom Gayner tem como prática comprar participações muito pequenas num grande número de empresas que ele segue, assim, mais de perto do que faria caso não tivesse investido. Já estar investido num negócio torna-o qualitativamente diferente para nós.

Outra razão pela qual o efeito de dotação faz muito sentido para nós é o conceito de "margem de segurança". Segundo a teoria económica, o preço mais alto pelo qual estamos dispostos a comprar um produto ou serviço e o preço mais baixo pelo qual estamos dispostos a vender o mesmo produto ou serviço devem ser quase idênticos. Na realidade, muitas vezes não estamos dispostos a vender um grande negócio com avaliações que são muito mais elevadas do que aquelas a que estaríamos preparados para comprar o mesmo negócio. Isto é um reflexo da "margem de segurança" e do reconhecimento de quão pouco sabemos. Para um investidor de longo prazo, há muito pouca precisão envolvida na avaliação de ações e não queremos cometer o erro de trabalhar para uma "falsa precisão".

Para além disso, podemos pensar em várias outras razões pelas quais este efeito pode fazer sentido, tais como o risco de reinvestimento, escassez de ativos de alta qualidade, etc.

Conclusão

Adotamos uma abordagem pragmática no investimento. Sendo assim, acreditamos que existem certos comportamentos que fazem sentido simplesmente porque resistiram ao teste do tempo e porque se adequam ao nosso temperamento e estrutura, por exemplo, preocuparmo-nos com o potencial de perda, ter uma visão de longo prazo, investir no que conhecemos, etc.

A investigação académica nas finanças comportamentais lança desafios a várias dessas abordagens. Embora seja sempre valioso considerar teorias alternativas com o objetivo de desafiar as nossas próprias crenças, tentamos pensar de forma independente. Nos últimos anos, a indústria da gestão de dinheiro tem se encantado com os "vieses" cognitivos e como corrigi-los, apesar do facto de que esses "vieses" podem muitas vezes fazer sentido em situações da vida real. O que frequentemente parece acontecer é que partes da indústria não compreendem o verdadeiro significado de uma ideia, como no caso de eventos “Cisnes Negros”, ou levam uma ideia sensata longe demais.

Em última análise, a regra de ouro permanece: “Descubra o que funciona e faça-o”. É tão simples e tão difícil quanto isto.


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