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Autoria
Binod Shankar, CFA
Binod Shankar, CFA

Artigo publicado originalmente no blog Enterprising Investor em 20 de maio de 2022

Lições sobre Vieses Comportamentais: Os Mercados Acionistas e o Covid-19

Ao longo dos últimos dois anos, os mercados acionistas, dependendo de quem questionamos ou quando, têm sido bastante stressantes ou estimulantes.

No entanto, para os aficionados das finanças comportamentais, os mercados de ações da era COVID-19 ofereceram-nos uma rara oportunidade de testemunhar uma sequência quase interminável de vieses comportamentais em ação.

De facto, podemos traçar linhas retas de vários fenómenos de mercado, que observámos desde março de 2020, para vieses, ou conjuntos de vieses, comportamentais.

Ficar de fora

Um erro que os investidores cometeram no início da pandemia foi não comprar nomes de qualidade após a queda inicial. Com certeza, comprar empresas de cruzeiros e outras empresas que estavam no caminho direto das interrupções relacionada com a pandemia dificilmente seria justificável, mas muitas empresas que sofreram acentuadas correções tinham já um longo histórico de atividade altamente lucrativa em vários ciclos de mercado. Eram máquinas geradoras de dinheiro com balanços fortes, marcas poderosas, bases de clientes amplas e leais, poder de preço significativo, fossos amplos etc. A pandemia não conseguiria afundá-los. A procura iria recuperar.

Então, por que motivo tantos de nós – incluindo eu – hesitaram e perderam a oportunidade de uma vida? Devido a uma miscelânea dos seguintes preconceitos:

  • Aversão Miópica às Perdas: Focamo-nos em demasia nas perdas de curto prazo e subestimamos o potencial de ganhos do longo prazo. Isto leva-nos a evitar ativos que passaram recentemente por períodos de volatilidade extrema.
  • Viés da Extrapolação ou Continuação: este viés também teve o seu papel. Como estávamos na montanha-russa da volatilidade, assumimos que a volta ainda não tinha acabado, assumimos que continuaria para sempre.
  • Aversão ao Arrependimento: Este foi outro viés importante. Temíamos as consequências dos erros de omissão, de não comprar a ação certa, com a mesma intensidade que temíamos as consequências de comprar a ação errada. Muitos de nós ficamos nas margens.

Os enormes programas de estímulo monetário e fiscal que tiveram início em março de 2020, combinados com o fenómeno do trabalho remoto (WFH) garantiram que muitas ações de “ficar em casa” se tornariam grandes vencedores da pandemia.

Apesar das subidas brutais, no entanto, muitas delas eram empresas deficitárias com preços absurdos, mesmo em abril de 2020. Ficou também claro que a procura estava a ser exacerbada e que o estupendo crescimento de receitas alcançado durante a pandemia era insustentável a médio e longo prazo.

Então, por que razão tantos de nós entraram no carrossel e recusaram sair?

Perseguir os vencedores da pandemia

  • Viés da Auto-Promoção: Quem merece crédito pelo nosso sucesso? Nós. Se compramos a Peloton e a ação quadruplica em seis meses, foi por causa do nosso génio na escolha de ações, e não por pura sorte ou devido a um mercado alimentado com dinheiro barato.
  • Comportamento de Rebanho: Tal como um cardume nada na mesma direção, nós, humanos, imitamos o comportamento dos outros. Na dúvida, seguimos a multidão para formar as nossas opiniões ou tomar decisões rápidas. E isto é especialmente verdadeiro numa bolha ou numa crise.
  • Viés da Confirmação: Ao tomar decisões, escolhemos a informação que consumimos e gravitamos em torno dos dados que as validam. Rodeamo-nos assim das pessoas e dos media que nos dizem o que queremos ouvir. De abril a outubro de 2020, os media de informação financeira alardearam os vencedores da pandemia, os Pelotons e os Zooms. Uma famosa newsletter sobre investimentos que eu subscrevo escrevia apenas sobre esse tipo de ações, falando sobre os aspetos positivos e ignorando os negativos.

Ignorar os sinais da inflação

Poucos esperavam que a inflação subisse tanto ou permanecesse elevada tanto tempo.

Subestimámos a magnitude do consumo excessivo de bens de consumo durante os confinamentos e sobrestimamos a solidez e a resiliência das cadeias de fornecimento globais. E os choques do lado da procura e da oferta levaram a inflação a máximos de 40 anos.

Por que motivo não detetámos estes sinais? Porque a inflação mal se mexeu nos últimos 10 anos. A flexibilização quantitativa maciça (Quantitative Easing) no rescaldo da crise financeira global e o nível de desemprego em mínimos históricos tiveram pouco efeito inflacionário. Como a inflação não aumentava há tanto tempo, assumimos que nunca mais aumentaria. Se 4,5 triliões de dólares não o conseguiram, que diferença fariam uns triliões mais?

  • Viés da disponibilidade: é assim que os economistas comportamentais chamam a isto. Tudo se resume aos três Rs: Recordamos o que é Recente e consideramos isso Relevante. Os dois primeiros Rs são bons, mas o último é um desastre. Muitos de nós não estávamos vivos durante a última estagflação, quando as taxas de juros atingiram 20%, no início dos anos 1980, e conhecemos apenas a inflação bastante benigna que tem sido a história desde que Paul Volcker domou o dragão em 1982. Portanto, estávamos convencidos que o futuro seria semelhante ao passado recente.

O Efeito Robinhood

Lembram-se da mania das meme stocks, no início de 2021? Quando Jim Cramer e companhia não paravam de falar sobre a GameStop, Hertz e AMC? As ações da AMC saltaram 250% em cinco dias e a GameStop disparou de cerca de 17 dólares para 350, em janeiro de 2021.

O subreddit Wall Street Bets foi o grande responsável. O fórum cresceu 400% em menos de uma semana, de dois milhões de utilizadores para mais de oito milhões. Muitos membros do fórum nunca tinham investido em ações.

Os cheques dos estímulos governamentais engordaram as contas bancárias e essas ações foram levadas a níveis ridículos. Vários hedge funds shortaram alguns dessas ações e muitos investidores de retalho viram nisso uma oportunidade de se vingarem dos tubarões. Alguns desses hedge funds foram apagados no short squeeze que se seguiu. Mas, passados alguns meses, as meme stocks colapsaram, deixando muitos investidores com enormes prejuízos.

  • Comportamento de Rebanho: Novamente, estávamos a seguir a multidão. Só que desta vez, potenciado por uma onda de contágio social.
  • Viés do Enquadramento: As decisões de investimento não eram tomadas com base em factos, mas na forma como as informações eram apresentadas ou “enquadradas”. A narrativa populista do David vs. Golias dos pequenos investidores de retalho a enfrentar os tubarões hedge funds era demasiado atrativa para ser ignorada.

Céticos da vacina

O desenvolvimento de uma vacina demora muito tempo. Dez a 15 anos era o tempo habitual pré-pandemia. Poucos esperavam vacinas contra o COVID-19 menos de um ano após os primeiros confinamentos. Prevíamos que a pandemia durasse muito mais tempo.

Não vimos todo o progresso no terreno. Os cientistas já estudavam os coronavírus há mais de meio século. A tecnologia médica tornou-se tão avançada e os computadores tão poderosos que o genoma do SARS-CoV-2 foi sequenciado à velocidade da luz.

Os voluntários fizeram fila e os ensaios clínicos foram concluídos rapidamente. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA simplificou o seu processo de aprovação. Em vez do processo habitual de 10 meses para um novo medicamento, a FDA colocou as vacinas contra o coronavírus na frente da fila. A vacina da Pfizer foi avaliada e autorizada em apenas 21 dias.

  • Viés do Conservadorismo: Preferimos informação pré-existente em detrimento de novos dados. Isso pode tornar-nos lentos na reação a informações novas e críticas.
  • Viés do Ancoramento: Ao tomar decisões, muitas vezes concentramos nosso foco em um ponto de referência. Confiamos demais na primeira informação que encontramos. Isso pode consolidar uma narrativa em nossas mentes da qual temos dificuldade em romper, mesmo diante de dados mais novos e melhores. Com as vacinas, nos ancoramos nessa janela estendida de desenvolvimento de vacinas.

Vigiar os nossos próprios vieses

O mercado acionista durante a pandemia foi um verdadeiro festival de vieses. Mas foi também foi uma ótima experiência de laboratório. A grande lição a retirar é que quanto mais conseguirmos eliminar os vieses do nosso processo de investimento, melhores serão os nossos retornos.

A pergunta é: vamos aprender com o mercado acionista da pandemia? Esperemos que sim. Mas não apostemos nisso. As nossas memórias são assustadoramente curtas. É por isso que é útil manter um diário dos erros que cometemos para nos ajudar a recordar as motivações e os processos de pensamento por trás das decisões de investimento que não correram bem. O meu diário pessoal cresceu muito desde março de 2020. No entanto, é um recurso valiosíssimo e vou refletir nestes vieses durante muito tempo.

Ou então, provavelmente, isto é apenas outro viés.


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