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Buster Benson escreveu, em setembro de 2016, esta "cábula dos vieses cognitivos":

Todos padecemos de vieses cognitivos.

Cada um destes vieses existe por uma razão: poupar tempo e energia aos nossos cérebros (os vieses são atalhos que nos permitem chegar às respostas mais depressa. Por vezes, infelizmente, a resposta a que nos permitem chegar está errada).

Os vieses ajudam-nos a enfrentar quatro tipos de problemas: Excesso de informação, falta de significado, a necessidade de agir depressa e como saber o que é necessário recordar mais tarde.

Problema 1: Demasiada Informação

Há demasiada informação no mundo e não temos outra escolha se não filtrar a maior parte. O nosso cérebro utiliza alguns truques simples para escolher os pedacinhos de informação que, provavelmente, poderão vir a ser úteis no futuro.

  • Reparamos em coisas que estão já fixadas na nossa memória ou que são repetidas frequentemente. Esta é uma regra simples: os nossos cérebros reparam mais facilmente em coisas que estão relacionadas com algo que foi recentemente “carregado” na nossa memória (heurística de disponibilidade, viés atencional, efeito de verdade ilusória, efeito de mera-exposição, ilusão de frequência, lacuna de empatia).
  • Coisas bizarras/engraçadas/visualmente marcantes/antropomórficas saltam mais à vista do que coisas não bizarras/sem piada. Os nossos cérebros tendem a dar mais importância às coisas que são pouco habituais ou surpreendentes. Em alternativa, tendemos a ignorar informação que achamos ser comum ou esperada (efeito do bizarro, efeito Von Restorff, viés de negatividade, viés de publicação, viés de omissão).
  • Reparamos quando algo mudou. E, geralmente, tendemos a avaliar o significado do novo valor pela direção da mudança que teve lugar (positiva ou negativa) e não reavaliando o novo valor como se ele tivesse sido apresentado isoladamente. Isto aplica-se também quando comparamos duas coisas similares (ancoramento, efeito de enquadramento, lei de Weber-Fechner, viés de distinção).
  • Somos atraídos para detalhes que confirmam as nossas crenças. Isto é muito importante. Assim como o oposto: tendemos a ignorar detalhes que contradizem aquilo em que acreditamos (viés de confirmação, racionalização pós-compra, perceção seletiva, efeito de expectativa do observador, efeito de avestruz, validação subjetiva, reflexo Semmelweis). 
  • Notamos com muita maior facilidade falhas nos outros do que em nós próprios.  Estes vieses não comprometem apenas a forma como as outras pessoas pensam; também nós estamos sujeitos a estes vieses (viés do ângulo morto, cinismo ingénuo, realismo ingénuo).

Problema 2: Falta de Significado

O mundo é extremamente confuso e acabamos por ver apenas uma pequena fatia, mas temos necessidade que ele faça algum sentido para que possamos sobreviver. Quando o reduzido fluxo de informação (filtrada pelos vieses do ponto anterior) chega a nós, ligamos os pontos, preenchemos as falhas com aquilo que julgamos já saber e atualizamos os nossos modelos mentais do mundo.

  • Encontramos histórias e padrões até em dados escassos. Uma vez que recebemos apenas uma pequena fatia da informação do mundo e filtramos quase tudo o resto, nunca temos o luxo de ter a história completa. É assim que o nosso cérebro reconstrói o mundo dentro das nossas mentes (confabulação, ilusão de agrupamento, insensibilidade ao tamanho da amostra, negligência de probabilidade, falácia anedótica, ilusão de validade, ilusão de recência, pareidolia, antropomorfismo).
  • Recorremos a características estereotipadas, generalidades e histórias anteriores sempre que surgem novos detalhes específicos ou falhas na informação. Quando temos informação parcial acerca de uma coisa específica que pertence a um grupo de coisas com que estamos familiarizados, o nosso cérebro não hesita em preencher as falhas com palpites ou informação originária de fontes confiáveis. Convenientemente, esquecemos depois que partes eram reais e que partes foram preenchidas pelo nosso cérebro (viés de autoridade, efeito adesão, efeito placebo).
  • Imaginamos que coisas ou pessoas com que estamos familiarizados ou de que gostamos são melhores que coisas ou pessoas com que não estamos familiarizados ou não gostamos. Somos influenciados por assunções pré-concebidas acerca da qualidade e valor daquilo que observamos (efeito halo, efeito cheerleader).
  • Simplificamos probabilidades e números para que seja mais simples pensar neles. O nosso subconsciente não é bom a matemática e, geralmente, comete muitos erros no cálculo das probabilidades de algo acontecer (contabilidade mental, apelo à probabilidade, ilusão monetária, conservadorismo).
  • Julgamos que sabemos o que os outros estão a pensar. Nalguns casos, isto significa que assumimos que eles sabem o que nós sabemos. Noutros casos, assumimos que os outros estão a pensar em nós tanto quanto nós pensamos em nós mesmos. Basicamente, estamos a transferir para os outros a nossa forma de pensar (ilusão de transparência, ilusão de agência externa).
  • Projetamos as nossas assunções e estado de espírito atual para o passado e futuro. Isto é ampliado pelo facto de não sermos muito bons a imaginar o quão rapidamente ou lentamente as coisas acontecem ou se alteram ao longo do tempo (viés do retrovisor, viés de desfecho, falácia de planeamento).

Problema 3: A Necessidade de Agir Rapidamente

Somos constrangidos pelo tempo e pela informação, mas não podemos deixar que isto nos paralise. Sem a capacidade de agir depressa face à incerteza, teríamos com certeza perecido como espécie há muito tempo. Com cada pedaço novo de informação, precisamos de fazer o nosso melhor para avaliar a nossa capacidade de afetar a situação, aplica-la às decisões, simular o futuro para prever o que pode acontecer de seguida e, desta forma, agir com base nas nossas conclusões.

  • De forma a agir, temos que ter confiança na nossa capacidade de ter impacto e de sentir que o que fazemos é importante. Na realidade, esta confiança pode, quase sempre, ser classificada como excesso de confiança. Sem ela, no entanto, poderíamos nem sequer agir (efeito de excesso de confiança, efeito Dunning-Kruger, viés egocêntrico, viés de otimistmo irrealista).
  • De maneira a mantermo-nos focados, favorecemos a coisa imediata e relacionável que está à nossa frente em detrimento da coisa diferida e distante. Valorizamos mais o presente do que o futuro e sentimos mais empatia com histórias de indivíduos específicos do que com indivíduos anónimos ou grupos (apelo à novidade, efeito de vítima identificável).
  • Para conseguirmos fazer qualquer coisa, somos motivados a completar coisas nas quais já investimos tempo e energia. Esta é a versão comportamental da primeira lei de Newton: um objeto em movimento mantém-se em movimento. Este viés ajuda-nos a terminar tarefas mesmo que deparemos com motivos fortes para desistir (falácia de custos irrecuperáveis, efeito IKEA, efeito de propriedade).
  • Para evitar erros, estamos motivados para preservar a nossa autonomia e status dentro do grupo e tentamos evitar decisões irreversíveis. Se formos forçados a escolher, tendemos a escolher a opção que é percecionada como sendo menos arriscada ou a que preserva o status quo. Antes o diabo que conhecemos… (teoria de sistema de justificação, psicologia reversa, viés de comparação social).
  • Favorecemos opções que pareçam ser simples ou que possuam informação completa em detrimento de opções mais complexas ou ambíguas. Preferimos fazer a coisa mais rápida e simples em vez da coisa mais importante e complicada, mesmo que a coisa mais complicada seja, no final de contas, uma melhor utilização do nosso tempo e energia (efeito de ambiguidade, viés de crença, navalha de Occam).

Problema 4: O Que Devemos Recordar?

Existe demasiada informação no Universo. Só nos podemos dar ao luxo de manter por perto os pedaços que, pensamos nós, poderão ser úteis no futuro. Temos que, constantemente, apostar no que devemos recordar ou esquecer. Por exemplo, preferimos generalizações porque ocupam menos espaço. Quando existem demasiados detalhes, escolhemos os que se destacam e esquecemos o resto. Aquilo que poupamos aqui está diretamente relacionado com os filtros que utilizamos no problema 1 (excesso de informação) assim como com os processos que utilizamos ao lidar com informação incompleta no Problema 2. No final de contas, trata-se de um ciclo autoalimentado.

  • Editamos e reforçamos algumas memórias após o facto. Durante este processo, algumas memórias ganham força. Alguns detalhes, no entanto, podem ser acidentalmente apagados/trocados. Injetamos, por vezes, acidentalmente, detalhes novos que não aconteceram (atribuição errônea de memória, criptomnésia, efeito de espaçamento).
  • Descartamos o específico para formar generalidades. Fazemos isto por necessidade, mas o impacto de associações implícitas, estereótipos e preconceitos pode ter consequências gravíssimas (estereótipos implícitos, preconceito).
  • Reduzimos eventos e listas aos seus elementos chave. É difícil reduzir eventos e listas a generalidades, por isso, escolhemos alguns itens para representar a totalidade (efeito de desinformação).
  • Armazenamos memórias de forma diferente conforme foram vividas. Os nossos cérebros codificam apenas a informação que consideram importante na altura, mas esta decisão pode ser afetada por outras circunstâncias (o que mais está a acontecer, como é apresentada a informação, se podemos encontrar a informação novamente se dela necessitarmos, etc) que têm pouco a ver com o valor da informação (efeito de superioridade de imagem, efeito Google, fenómeno ponta da língua).

Muito bem, como me vou lembrar disto tudo?

Não é necessário. Mas pode começar por se recordar destes quatro problemas gigantes que os nossos cérebros evoluíram ao longo de milhões de anos para enfrentar:

  • O excesso de informação é terrível, por isso filtramos agressivamente. O ruído torna-se sinal.
  • A falta de significado é confusa, por isso preenchemos as falhas. O sinal torna-se uma história.
  • Precisamos de agir depressa, por isso preenchemos as falhas. Histórias tornam-se decisões.
  • Isto não fica mais fácil, por isso tentamos recordar os pedaços mais importantes. Decisões moldam os nossos modelos mentais do mundo.

Para não nos afogarmos no excesso de informação, os nossos cérebros precisam de filtrar quantidades absurdas de informação e rapidamente, quase sem esforço, decidem o que, daquela torrente, é realmente importante.

De forma a construir significado dos pedaços de informação que atraem a nossa atenção, precisamos de preencher as falhas e encaixá-los nos nossos modelos mentais. Precisamos também de nos assegurarmos que tudo se mantém razoavelmente estável e tão preciso quanto possível.

Para agirmos depressa, os nossos cérebros são obrigados a tomar decisões em frações de segundo que podem impactar as nossas hipóteses de sobrevivência, segurança ou sucesso, e devem fazê-lo com a confiança de que terão sucesso.

E para conseguir fazer isto de forma tão eficiente quanto possível, os nossos cérebros precisam de recordar os pedaços mais importantes e úteis da nova informação e informar os outros sistemas para que se adaptem e melhores, mas não mais que isso.

Será, no entanto, importante recordar que as soluções para estes quatro grandes problemas têm, por seu turno, os seus próprios problemas.

  • Não vemos tudo. Alguma da informação que filtramos e descartamos é útil e importante.
  • A nossa busca por significado pode conjurar ilusões. Por vezes imaginamos detalhes com base em assunções e construímos histórias e significados que não estão realmente lá.
  • Decisões rápidas podem ser deficientes. Algumas das reações rápidas e decisões a que chegamos são injustas e contraproducentes.
  • A nossa memória reforça os erros. Algumas das coisas que recordamos reforçam o enviesamento do nosso processo mental e podem ser prejudiciais ao nosso pensamento. 

Não há nada que possamos fazer para eliminar definitivamente estes quatro problemas, mas se aceitarmos que somos enviesados, conseguiremos compreender-nos, e aos outros, melhor.

Os vieses cognitivos são apenas ferramentas, úteis em determinados contextos e até desempenham o seu papel de forma bastante eficiente. Mais vale familiarizarmo-nos com eles e, reconhecendo que eles existem, tentar aproveitá-los para processar de forma eficiente o universo que nos rodeia.


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