

Peter Lynch Disse-me: Só "Barato" Não Funciona
Publicado originalmente no blog por Behavioral Value Investor por Gary Mishuris, em 11 de setembro de 2025
Quando eu era um jovem analista na Fidelity, Peter Lynch disse-me: "Só barato" não funciona. Senti-me irritado, mas ele tinha razão.
Quando me juntei à Fidelity em 2001, eu era um investidor em valor convicto, mas ainda em formação. Li tudo o que consegui encontrar dos grandes nomes do value investing: Benjamin Graham. Warren Buffett. Entrevistas com os então mestres do investimento em valor. Estava também a aprender com um gestor de carteiras da Fidelity, que era um verdadeiro mestre do investimento em valor, Joel Tillinghast, o gestor do Fidelity Low-Priced Stock Fund.
Naquela altura, Peter Lynch já não geria o fundo Magellan, mas continuava por perto como mentor e modelo a seguir. Por isso, quando Peter levou um pequeno grupo de jovens analistas a almoçar, eu fiquei muito entusiasmado.
Em jeito de preparação, li os seus livros – One Up On Wall Street e Beating The Street. A minha esperança era ir além das histórias destinadas a um público geral e sair daquele almoço um melhor investidor.
A sua afirmação atingiu a essência das minhas convicções. Eu rebati: "O que quer dizer com 'não funciona'? Não é isso que o Joel faz?", perguntei-lhe. Ele foi gentil e evitou o assunto, pois provavelmente não queria entrar numa longa discussão.
O Problema com "Só Barato"
Agora, após décadas de experiência, eu compreendo. O barato estatístico raramente é suficiente. Geralmente, significa que estamos a comprar os problemas de uma empresa juntamente com as suas ações.
Então, qual é o ingrediente que falta?
Normalmente, precisa de uma de duas coisas:
1. Um impulsionador credível de melhoria do negócio (um ciclo positivo, uma recuperação bem-sucedida, uma mudança secular).
2. Uma ação corporativa (buybacks, uma aquisição, ativismo) que irá encerrar a lacuna de valor.
Pense nisto: se temos uma ação barata, mas não identificamos nem uma alteração positiva nos fundamentos económicos nem um catalisador que torne a ação menos barata, será que este é realmente um investimento com boas perspetivas de sucesso?
É claro que podemos arranjar exemplos extremos em que "só barato" ainda é suficientemente bom. Imaginemos uma empresa que transaciona com um rácio Preço/Lucro (P/E) de 5 vezes, cujos lucros não estão a diminuir e que paga a maior parte dos seus lucros como dividendo. Nestas circunstâncias, é muito provável que o acionista obtenha uma taxa de retorno anual superior a 20%.
Parece fantástico, mas há um MAS. O exemplo inventado acima raramente, ou nunca, acontece na mundo real. Normalmente, uma, ou mais das seguintes situações, serão verdadeiras:
• Pensamos que os lucros não vão diminuir, mas vão.
• A empresa está muito alavancada e tem uma grande probabilidade de falência.
• A gestão é desonesta ou incompetente e, na verdade, não receberemos o nosso dinheiro em dividendos.
Nos últimos anos, a avaliação de uma empresa típica está acima dos níveis históricos. Mais ainda, as empresas percecionadas como tendo alta qualidade têm transacionado com um prémio substancial.
O que é que isto implica? Existe um forte viés de seleção em que o grupo relativamente pequeno de ações que ainda transacionam com avaliações baixas o fazem por um motivo.
Por outras palavras, o mercado está a dizer-nos que há algo de errado sob a superfície, se o preço está baixo.
Analisemos as diferenças entre hoje e a época em que Benjamin Graham operava. Nos dias de Graham, a transparência da informação era muito reduzida. Por vezes, conseguir uma cópia impressa de um relatório anual antes de mais alguém era uma grande vantagem. Muitas ações, fora de restrito grupo de blue-chips, eram mal-acompanhadas, se o fossem. Havia poucos investidores profissionais à procura de pechinchas.
Contrastemos isto com o ambiente de hoje. A informação espalha-se instantaneamente. Há poucas empresas sem acompanhamento, mesmo entre as small-caps. Há uma avalanche de investidores à caça de retornos superiores, muitos deles bem versados nos métodos padrão do investimento em valor.
Isto significa que não devemos procurar ações baratas? Ou que devemos pagar 30 a 50 vezes os lucros por empresas de alta qualidade que toda a gente já reconhece como tal?
Não.
O que isto significa é:
• Não devemos restringir-nos apenas a ações estatisticamente baratas.
• Uma avaliação baixa é um ponto de partida para mais pesquisa, não uma tese de investimento por si só.
Caminho 1: Encontrar um Impulsionador de Melhoria do Negócio
Voltemos à necessidade de uma futura melhoria do negócio ou de uma ação corporativa favorável para tornar uma ação barata num investimento verdadeiramente interessante e examinemos cada uma por sua vez.
Podemo-nos questionar: "Bem, se existe uma melhoria do negócio no horizonte, não estará isto já refletido no preço da ação?". Às vezes sim, mas não necessariamente.
• Por exemplo, com ações cíclicas, a maioria dos investidores, que têm um horizonte temporal muito curto, quer sinais de uma viragem antes de comprar. Se identificamos corretamente que os problemas são puramente cíclicos, então, por definição, a melhoria acontecerá. Se estivermos dispostos a ter um horizonte temporal mais longo do que os outros, podemos, por vezes, beneficiar de mudanças positivas que ainda não estão refletidas no preço.
• Com recuperações (turnarounds), os mercados frequentemente sub-reagem aos sinais iniciais de uma recuperação. Se acompanharmos a empresa com um olhar atento, às vezes é possível reconhecer quando aumentam as probabilidades de uma recuperação bem-sucedida, mas o preço da ação subiu apenas uma fração do que seria justificável.
• Finalmente, muitos participantes do mercado a curto prazo não pensam nas mudanças de longo prazo dos negócios, especialmente em empresas mais pequenas ou menos apelativas. Assim, se dedicarmos os nossos esforços analíticos a pensar se uma determinada empresa será melhor ou pior nos próximos 5 ou mais anos, em vez de daqui a 2 ou 4 trimestres, teremos menos concorrência e às vezes podemos encontrar verdadeiras pechinchas.
Caminho 2: Encontrar um Catalisador de Ação Corporativa
O outro caminho para melhorar as probabilidades de sucesso na seleção de ações baratas é um catalisador sob a forma de ação corporativa. Alguns exemplos são:
• Um ativista a lançar uma campanha (ou já a ganhar representação no conselho de administração) com uma agenda que é provável que crie valor.
• A gestão a anunciar uma devolução significativa de capital.
• Reestruturação, como uma cisão (spin-off) ou a venda de uma divisão problemática.
Nem todas as ações corporativas levarão necessariamente à libertação de valor. Estive envolvido em alguns investimentos em que pensei que ativistas experientes no conselho de administração iriam impulsionar mudanças positivas. Em vez disso, descobriu-se que estavam tão enganados sobre as perspetivas da empresa como eu.
A questão não é que os catalisadores de ação corporativa garantam um bom resultado. Eles apenas melhoram as nossas probabilidades de sucesso.
Conclusão: De Barato a Subavaliado
Se fazer a pesquisa e análise extra parece trabalho duro, é porque é mesmo. No entanto, os mercados tornaram-se suficientemente eficientes para o exigir para o sucesso a longo prazo. Não procure apenas ações baratas; procure empresas que compreende e que estão subavaliadas. As duas nem sempre são a mesma coisa.
Hoje, olhando para trás, para aquele almoço, aprecio totalmente a sabedoria na afirmação simples de Peter. Ele não estava a desvalorizar o investimento em valor; estava a ensinar-nos uma forma mais evoluída do mesmo. O objetivo não é apenas encontrar uma ação estatisticamente barata, mas sim fazer o trabalho para entender porque é que está barata e, mais importante, o que fará com que o seu verdadeiro valor seja realizado.
Ações baratas são abundantes. Ações subavaliadas são raras — e encontrá-las é o verdadeiro trabalho de um investidor.








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