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Autoria
Ted Lamade
Ted Lamade

Artigo de Ted Lamade, Managing Director no The Carnegie Institution for Science, publicado originlamente no blog Collaborative Fund.

Medo de Bolotas

Sou um grande adepto de fábulas. Seja “A Cigarra e a Formiga”, “O Rapaz que gritou Lobo” ou “A Tartaruga e a Lebre”, cada uma destas fábulas é maravilhosa porque são concisas, divertidas e, acima de tudo, são eternamente relevantes. Dito isto, nas últimas semanas passou pelas minhas mãos uma fábula que achei especialmente relevante para o mundo e os mercados em que vivemos atualmente — “O Galinho Medroso” (Chicken Little).

Para aqueles que não estão familiarizados com a história do Chicken Little, é mais ou menos assim.

O Chicken Little está a passear na floresta quando é atingido por uma bolota que cai de uma das árvores. Convencido de que isto é um sinal de que o céu está a cair, o Chicken Little foge da floresta para alertar o Rei.

No caminho para o palácio, ele encontra vários amigos, que também são pássaros, e se chamam Henny Penny, Goosey Loosey, Ducky Lucky, Turkey Lurkey e assim por diante. Ao encontrar cada um deles ao longo do caminho, Chicken Little avisa-os que o céu está a cair e que tem provas em primeira mão disso.

Estes pássaros juntam-se a Chicken Little no cortejo rumo ao palácio real. Em pouco tempo, junta um grupo enorme que está convencido de que o céu lhes vai cair sobre a cabeça.

No caminho, encontram Foxy Loxy (uma raposa, é claro), que lhes pergunta por que estão com tanta pressa. Chicken Little explica que o céu está a cair e que estão a caminho do palácio para alertar o rei. Foxy Loxy oferece para os guiar ao castelo onde encontrarão o rei, e os pássaros concordam em acompanhá-lo. No entanto, a astuta raposa leva-os, não para o castelo, mas sim para a sua toca, e os pássaros nunca mais são vistos.

A Lição?

O medo não é algo que nos é imposto. Em vez disso, é algo que nos impomos a nós próprios.

Como assim?

Porque o medo é uma reação que temos quando nos deparamos com algo, normalmente uma ameaça.

Isto levanta uma questão - temer algo é um problema?

Resposta rápida: não. O medo em si não é necessariamente uma coisa má. Na realidade, uma quantidade razoável de medo é uma coisa boa porque nos torna mais atentos ao que nos rodeia e, quando necessário, mais cautelosos.

No entanto, uma quantidade irracional de medo é um problema porque nos torna suscetíveis aos “Foxy Loxy” do mundo. Aqueles que querem alavancar o nosso medo para seu ganho pessoal. Aqueles que vendem conselhos, produtos e serviços que alimentam o medo. Aqueles que querem ampliá-lo a cada passo. Os media são culpados óbvios, mas existem muitos mais.

A razão pela qual este é um assunto tão importante é que, enquanto Chicken Little interpretou a bolota que caiu como um sinal de que o céu estava a cair, hoje a maioria das pessoas, principalmente os investidores, parece encarar cada “bolota” (ou seja, notícia negativa) como uma indicação segura de que a economia e/ou os mercados estão destinados ao colapso.

Pensemos apenas na última década. Do Covid-19 às fake news, criptomoedas e fraude FTX, Irão, China, Rússia, alterações climáticas, uma bolha tecnológica 2.0, escassez na cadeia de fornecimentos, globalização, colapso do Silicon Valley Bank, escritórios vazios e taxas de juro mais altas (apenas para nomear alguns). Todos estes eventos foram considerados perigosas ameaças à estabilidade financeira e/ou geopolítica. No entanto, ainda cá estamos com o desemprego perto de mínimos históricos e o mercado de ações perto dos seus níveis máximos.

Isto levanta a seguinte questão - se olharmos hoje para o céu, qual será a próxima bolota a cair? A próxima coisa a temer? 

É bastante óbvio – Inteligência Artificial (“IA”).

Só no fim de semana passado, nos vários jornais que li, encontrei mais de duas dúzias de artigos que alertavam para os riscos da IA: a força de trabalho americana vai ser desmantelada, a desigualdade vai aumentar ainda mais, a IA vai desestabilizar a economia e até mesmo levar a um holocausto nuclear.

Devemos, no entanto, temer esta bolota? Poderá ser este, realmente, o verdadeiro sinal de que o céu está a cair?

A história diz-nos que a resposta é claramente não. Dito isto, a IA vai afetar setores da economia e dos mercados de formas muito distintas. Compreender isto é o primeiro passo para não termos medo da sua chegada. Eis alguns exemplos:

Educação

Lembram-se daqueles trabalhos de história que tínhamos de fazer no ensino secundário sobre o Império Romano? Ou redações sobre os clássicos da literatura? Ou uma tese sobre a Segunda Guerra Mundial no ensino superior?

Embora estas fossem formas excelentes maneiras de testar a nossa capacidade de regurgitar informação, elas falham redondamente na avaliação de como as entendemos. Não nos ensinam nada sobre como relacionar disciplinas, períodos de tempo ou circunstâncias. Dito de outra forma, não nos fazem pensar.

A boa notícia é que a IA tem o potencial de permitir que futuros alunos vão muito mais além desses exercícios de regurgitação. Em vez de simplesmente debitar factos sobre o Império Romano, Sócrates e Platão, ou a Segunda Guerra Mundial, a IA pode oferecer aos alunos a oportunidade de aplicar estas lições nas suas próprias vidas e no mundo que os rodeia.

Numa perspetiva educacional mais ampla, as notícias podem ser ainda melhores – The Economist relatou recentemente que a IA poderá “ajudar os professores a escrever planos de aula e fichas em diferentes níveis de leitura e até mesmo em diferentes idiomas”. Dito de outra forma, a IA possibilita um ensino mais especializado com a mesma quantidade de “mão de obra”. Se isto for verdade, não é esta a definição de aumento de produtividade?

Tal como as calculadoras substituíram a necessidade de executar equações matemáticas manualmente, a IA tem o potencial de realizar grande parte da regurgitação irracional que os alunos se acostumaram a fazer, libertando-os para o pensamento e a criatividade reais.

Cuidados de Saúde

Atualmente, diagnosticar e tratar doenças físicas envolve probabilidades e uma abordagem de tentativa e erro. Tem uma dor de estômago? O primeiro passo é normalmente mudar a dieta. Pode ser algo mais sério? Claro, mas os médicos começam sempre com a maior probabilidade, e com razão. Se os sintomas desaparecem, ótimo. Caso contrário, o seu médico provavelmente passará para a próxima probabilidade mais alta. Talvez receitem antibióticos ou outro medicamento. Ainda não se sente melhor? A seguir será uma tomografia computadorizada ou uma ressonância magnética, mas isso provavelmente levará meses.

Como é que isto pode mudar com a IA? No futuro, os médicos poderão ter acesso à nossa composição genética pessoal, relacionam os nossos sintomas com o histórico familiar e comparam tudo com outros doentes com sintomas semelhantes e têm históricos familiares/genética semelhantes. Isto poderá alterar as probabilidades? E os tratamentos? E o tempo de resposta? Eu acredito que sim, e muito possivelmente de uma forma radical.

Esta é apenas a ponta do iceberg, pois a IA provavelmente revolucionará também inúmeros outros aspetos, tais como a forma como a terapêutica e os tratamentos são pesquisados, planeados, criados e administrados.

Industrial

Qualquer empresa que produza algo numa fábrica ou linha de montagem deverá beneficiar tremendamente com a IA. Ela irá simplificar as operações, poupar energia (e, portanto, custos), aumentar o produtividade e a eficiência geral. Este é um resultado bastante visível. Quanto melhor compreendermos as operações, mais facilmente gerimos os negócios.

Finanças

Uma vez que não consigo dizer isto melhor que Matt Levine, da Bloomberg, vou apenas transcrever o que ele escreveu na semana passada sobre IA. Não consigo imaginar um setor que atravessará mais altos e baixos em resultado da IA do que o setor financeiro.

“A utilização generalizada da IA num estado relativamente embrionário vai introduzir novas formas de cometer erros nas finanças. Atualmente, existem algumas maneiras clássicas de cometer erros em finanças e, periodicamente, elas levam a consequências que vão desde constrangimentos engraçados, passando por perdas de milhões de euros até crises financeiras sistémicas. Muitos dos erros clássicos assumem a forma de “generalizações com excesso de confiança a partir de dados históricos limitados”, embora outras se limitem a carregar no botão errado. No entanto, há apenas um número limitado de formas de errar e estas são mais ou menos intuitivas. Com a IA agora existem novas formas! Formas esquisitas! Claro que uma IA consegue fazer “generalizações com excesso de confiança a partir de dados históricos limitados”, mas talvez haja espaço para novidades. Agora, um banqueiro pode digitar num chatbot, “o nosso cliente quer proteger-se do risco das eleições turcas”, e o chatbot vai sugerir “ele deve vender algumas opções de compra de Dogecoin e usar o resultado desta venda para comprar muitos futuros de níquel”, e o banqueiro dirá, “estranho, mas OK”. E esta transação vai correr mal de formas surpreendentes; o cliente vai processar o banco; o cliente, o banqueiro e o chatbot vão todos ao tribunal; o juiz vai perguntar ao chatbot, “então, de que forma é que esta transação iria proteger o cliente?” e o chatbot irá encolher os seus pequenos ombros imaginários e dizer, "meu, porque é que me estás a perguntar isso? Eu sou um chatbot, não percebo nada de finanças.” Ou poderá dizer, “na verdade, o spread entre a Dogecoin e o níquel estava muito correlacionado com o risco político turco porque…” e depois emitirá uma série de uns e zeros e emojis e ruídos agudos que nem nós nem o juiz consegue entender, mas que fazem todo o sentido para o chatbot. Novas formas errar! Isto vai tornar a vida dos colunistas financeiros mais excitante, temporariamente, até que sejamos todos substituídos por chatbots.”

Consumidor

O Wall Street Journal dedicou uma secção inteira a este tópico intitulada “A IA excita e preocupa Madison Avenue”, que resume quase perfeitamente este setor. Em resumo, há muitos prós e contras.

Por um lado, à medida que as tendências mudam, as preferências ajustam-se e a demografia muda, como é que a IA ou o Chat GPT vão conseguir prever qual será a próxima moda, como vai ser a linha de roupas da próxima primavera ou quais os destinos que serão populares, se os próprios consumidores não o sabem? Alguma vez comparou os estilos de roupas que estavam na moda década após década? Boa sorte para IA que tentar prever isto. E música? Filmes? Carros?

Dito isto, partes do setor de consumo beneficiarão extraordinariamente com a IA, especificamente aquelas focadas no “aqui e agora”, atendimento ao cliente e vendas, em vez de tentar prever o futuro. Hoje já existe uma empresa chamada Cresta, que utiliza IA generativa para informar, educar e ajudar as pessoas numa vasta gama de empregos e setores nas suas interações com clientes potenciais e existentes. 

As possibilidades são demasiadas para mencionar neste artigo e, como acontece com a maioria das coisas que dependem do comportamento humano, só o tempo dirá como vão acabar.

Desporto

Há já alguns anos que temos assistido a uma forma de IA no desporto: “Moneyball” de Billy Beane, a “Estratégia das Três Bolas” dos Houston Rockets/Golden State Warriors e na forma como todas as equipas observam jogadores e estudam os seus adversários. Imagino que esta próxima fase irá apenas acelerar este fenómeno. Ironicamente, porém, não me parece que a adoção da IA vai determinar futuros vencedores. Porquê? Porque não vai ser novidade. Todos vão fazer isto. O que vai acontecer é que, provavelmente, todo o ecossistema se tornará mais competitivo, o que vai dificultar ainda mais vencer títulos ao mais alto nível devido ao Paradoxo da Habilidade.

Geopolítica e Guerra

Esta vertente pode ser a mais complexa e a mais importante.

Há alguns anos, escrevi sobre um homem chamado Stanislov Petrov num artigo intitulado “A Centaur Future”. Embora possa nunca ter ouvido falar dele, Petrov pode ser a pessoa mais importante do século XX.

Porquê?

Porque ele pode ter salvo o planeta e a civilização como a conhecemos.

Como?

No outono de 1983, Petrov era o responsável pelo sistema de alerta nuclear Oko da Rússia. Em 23 de setembro, o sistema alertou que os Estados Unidos tinham lançado cinco mísseis nucleares contra a União Soviética. Na época, os soviéticos tinham a segunda tecnologia de defesa antimísseis mais avançada do mundo. Seria, portanto, perfeitamente lógico que Petrov concluísse que a ameaça era real. No entanto, Petrov reagiu com ceticismo. Concluiu que era muito mais provável que (a) um ataque dos EUA fosse um ataque “total” em vez de apenas cinco mísseis, (b) o sistema de deteção de lançamento era novo e potencialmente defeituoso, (c) o alerta passou por 30 camadas de verificação muito rapidamente e (d) o radar terrestre não captou dados corroborantes. Apesar das possíveis consequências pessoais (o fim da sua carreira, na melhor das hipóteses, ou a vida, na pior), Petrov optou por desobedecer às ordens. 

Como já deve ter adivinhado, a intuição de Petrov provou estar correta. Ao confiar no seu instinto e ao não seguir cegamente a nova tecnologia, Petrov evitou uma enorme escalada na Guerra Fria e provavelmente um evento nuclear. Se a Rússia tivesse confiado apenas na “IA do dia” sem controlo humano, as coisas poderiam ter sido muito, muito diferentes.

O que significa então tudo isto?

Para algo tão confuso e complexo, a resposta é, provavelmente, relativamente simples. Para setores menos dependentes do comportamento humano, a IA provavelmente será um desenvolvimento altamente benéfico. No entanto, para aqueles mais dependentes de nós e dos nossos caprichos, provavelmente é necessária cautela.

Dito isto, a maioria das indústrias, sem surpresa, cairá algures no meio, o que significa que elas ficarão melhor se forem capazes de encontrar uma forma de alavancar esta tecnologia, mas sem se tornarem completamente dependentes dela.

A questão é: como consegui-lo?

No seu livro mais vendido, "Range", o autor David Epstein descreveu uma partida de xadrez entre o mestre de xadrez Gary Casparov e o supercomputador Deep Blue da IBM em 1997. Após a sua derrota, Casparov respondeu reticentemente que,

“Qualquer coisa que nós possamos fazer, as máquinas farão melhor. Se o conseguirmos codificar e passar para os computadores, eles farão melhor”.

No entanto, depois de analisar a partida mais profundamente, Casparov ficou convicto que algo mais estava em jogo. Em resumo, Casparov recorreu ao “Paradoxo de Moravec”, que defende que:

“Máquinas e humanos têm forças e fraquezas opostas. Portanto, o cenário ideal pode ser aquele em que os dois trabalham em conjunto.”

No xadrez, tudo se resume a tática versus estratégia. Enquanto as táticas são combinações curtas de movimentos usadas para obter uma vantagem imediata, a estratégia refere-se ao plano geral necessário para vencer o jogo. A chave é que, embora as máquinas sejam taticamente perfeitas, elas são muito menos capazes de criar estratégias porque a estratégia envolve criatividade.

Casparov concluiu, através de uma série de cenários de xadrez, que o jogador de xadrez ideal não era o Big Blue ou um computador ainda mais poderoso. Em vez disso, seria um humano “que treina” vários computadores. O treinador mostraria, em primeiro lugar, ao computador o que examinar. De seguida, o treinador sintetizaria essas informações para formar uma estratégia geral e executá-la. Estas equipes humano/computador, conhecidas como “centauros”, provaram ser muito superiores

Como?

Tomando conta das táticas, os computadores permitiram que os humanos se libertassem para fazer o que fazem de melhor - criar estratégias.

Parece-me correto.


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