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Ensaio de Frank K. Martin, CFA

As verdades mais consequenciais são transcendentes. Notemos, por exemplo, as dinâmicas do consumo pessoal. As decisões financeiras que tomamos hoje acarretam consequências bem para além do momento presente. A virtude da paciência e o seu alter ego, a impaciência, são centrais às escolhas que fazemos. Ao determinar os nossos padrões de consumo, elas são responsáveis pelas opções que estarão disponíveis para nós no futuro. Estas escolhas inter temporais são abundantes, mas a verdade perene é que, ao consumirmos menos hoje, podemos aumentar significativamente os níveis de consumo no futuro – e vice-versa.

Passando dos indivíduos para sistemas económicos e sociais, uma propensão para a paciência tem profundas implicações para a evolução destes sistemas humanos. Na economia clássica, a paciência gera poupanças nos agregados familiares que, através dos intermediários financeiros, financiam o investimento das empresas. Por sua vez, a acumulação de capital pelas mesmas empresas impulsiona a produção futura. Na medida em que a intermediação é eficiente, ela encoraja também a parcimónia e promove o crescimento, reforçando uma abordagem paciente às decisões públicas e privadas.

Por exemplo, quando a regulação governamental é relaxada – incluindo a liberalização financeira – revelam-se dois caminhos alternativos possíveis. No primeiro, a liberalização poderá encorajar a paciência, melhorar as escolhas e promover o crescimento. Tomando o segundo, a impaciência pode gerar um ciclo autossustentado de soluções de recurso que anulam as virtudes que Adam Smith louva imediatamente abaixo.

O célebre autor de “The Wealth of Nations” defende a virtude da paciência em “Theory of Moral Sentiments” (1759):

“As qualidades que nos são mais úteis são, em primeiro lugar, a razão e o entendimento superior, pelos quais somos capazes de discernir as consequências remotas de todas as nossas ações; e, em segundo lugar, o auto controlo pelo qual temos a capacidade de nos abster do prazer presente ou sofrer a dor presente de forma a obter um prazer maior num tempo futuro.”

Fosse a vida assim tão simples. Smith complexifica as situações ao descrever “dois eus”, mais tarde descritos pelos economistas comportamentais como o “planeador” paciente e o “fazedor” impaciente. Para confundir ainda mais as coisas, a razão humana não é sempre matematicamente lógica. As pessoas têm uma tendência para evitar descontar uniformemente ao longo do tempo. Pelo contrário, os ganhos no curto prazo são mais valorizados do que os ganhos realizados num futuro mais distante.

As Preferências Evoluem ao Longo do Tempo

Na economia comportamental, esta tendência tem o nome de Desconto Hiperbólico – colocar recompensas mais pequenas atuais à frente de recompensas maiores, mas mais distantes – e acarreta consequências negativas com um alcance enorme. Se a virtude da paciência for praticada, pode tornar-se autossustentada e evitar essas consequências.

Devido a este círculo de feedback, o seu domínio temporário sobrepõe-se às duas propensões – a menos que a outra se reafirme com sucesso e a narrativa se reverta. Estudos demonstram que as pessoas mais felizes poupam mais e gastam menos. Contrariamente àqueles que foram capturados pelo carrossel hedonista, na filosofia clássica não é o dinheiro que traz contentamento, mas sim aprender a amar o que é bom e servir os outros. Bens materiais, de uma forma geral, não preenchem estes requisitos.

Pelo contrário, as virtudes, das quais a paciência é parte integrante, conseguem atrair a felicidade sustentável. A gratificação adiada é prática essencial no treino desta faculdade. Financeiramente, e se esperamos uma vida mais longa, a gratificação adiada torna-se habitual e resulta numa maior estabilidade, condição útil para a saúde psicológica. Esta dinâmica é semelhante aos efeitos de uma boa dieta e exercício.

Expandindo para os sistemas económicos, o seu crescimento pode, ele próprio, ser um padrão autossustentado. A diligência, como a dieta, promove a autoestima e a produtividade de longo prazo, enquanto que a ociosidade, tal como o excesso de comida, tem o efeito oposto.

Adicionalmente, o contágio comportamental tem um efeito multiplicador. As nossas ações resultam em “três degraus de influência”. Não são apenas aqueles que nos rodeiam, mas também frequentemente aqueles que estão a uma distância considerável que são influenciados pelas nossas escolhas e ações.

Em contraste, as dependências são um exemplo vívido de um “fazedor” impaciente e autodestrutivo. A compulsão para a gratificação imediata (drogas, álcool, sexo, comida, trabalho – para nomear apenas cinco) sobrepõe-se a qualquer consideração quanto às consequências de longo prazo. Para os sistemas financeiros, as implicações não são menos graves e perturbadoras. O crédito – ao consumo, às empresas ou governos – adianta o consumo do amanhã para hoje, deixando o futuro órfão dos recursos adequados. Os impulsos por trás deste crédito sistémico excessivo não são muito diferentes dos vícios individuais.

O Dilema de Gresham nas Finanças

Para saber mais, ver Greshams Law & Growing Weeds. Atualmente, as finanças enfrentam o seu próprio dilema de Gresham – tomar ou não o caminho paciente ou impaciente. E estamos a ser generosos assumindo que ainda existe uma escolha. A liberalização trouxe mais informação e liquidez aos mercados financeiros. A era digital permite que o investidor de longo prazo compare melhor os preços das ações aos fundamentos económicos das empresas, mas testa também a força de vontade e o temperamento dos gestores sujeitos às medições de performance de curto prazo.

Os intervalos nas avaliações às performances têm encolhido ao longo do tempo. Embora a Berkshire Hathaway se mantenha resolutamente fiel à interação com os donos apenas uma vez por ano, na sua assembleia geral de maio, o padrão prevalente entre a vasta maioria das empresas cotadas incentiva a gratificação instantânea. As conferências de resultados trimestrais, tornadas ainda menos relevantes e mais redundantes pelas previsões, são a nova norma. Mais informação e mais liquidez no mercado (ver o próximo parágrafo) podem ser boas demais.

Para além dos benefícios óbvios, a liquidez pode ser uma lâmina de dois gumes. No fim de contas, facilita comprar e vender: os intervalos entre a procura e a oferta – bid-ask spread – são cada vez mais estreitos e as comissões aproximam-se do zero. Muito poucos investidores se recordam dos tempos em que a posse das ações era representada por certificados físicos guardados em cofres-fortes nos bancos, uma praticamente insuperável barreira à troca frequente de cavalos no meio da corrida. Apesar das conveniências que oferece, a liquidez incentiva os investidores para o caminho de menor resistência, libertando a impaciência e a sua prole antissocial: excesso de trading, crédito e volatilidade. Qualquer que seja a tendência que os mercados de capital tenham para o equilíbrio e a estabilidade, os desvios resultantes da impaciência podem ser perigosamente contraproducentes para os objetivos dos investidores de longo prazo.

De particular interesse para nós é o efeito crescente da impaciência no desalinhamento entre preço e valor. Estudos demonstram que, ao longo do último século, os preços das ações americanas têm sido três vezes mais voláteis que os fundamentos económicos. A volatilidade, em parte devido a inovações financeiras, tem acelerado desde os anos 90, com os preços das ações a flutuar 6 a 10 vezes a taxa de mudança nos fundamentos económicos. Se assumirmos que a volatilidade é um fenómeno de curto prazo, o desalinhamento de longo prazo a que fazemos referência torna-se evidente. Até aos anos 60, o desvio absoluto médio dos preços das ações americanas era cerca de 20%. Desde os anos 90, o desvio absoluto médio ultrapassou largamente os 100%. Embora, admitimos, a volatilidade e, em particular, este desalinhamento sirvam os interesses dos investidores em valor, o preço a pagar, na forma de instabilidade sistémica, oferece, no final de contas, pouco valor durável a todos.

Praticar a Impaciência

A nossa sociedade, como um todo, está cada vez menos paciente. O fenómeno não se limita aos “likes” aos analistas da Squawk Box. A era da internet tem sido instrumental nesta mudança. Uma busca muito simples no Google sobre paciência e telemóveis ilustra as correntes mentais que temos com os nossos dispositivos que degradam tudo, desde a produtividade no local de trabalho aos resultados em testes. Sem os nossos telefones, sentimos vibrações fantasma e levamos a mão ao bolso para o telemóvel que não está lá. Estas são experiências reais, que demonstram alterações significativas nos nossos cérebros.

Entregas de dois dias parece agora muito tempo para esperar. Os retalhistas competem, e aumentam o trânsito no processo, engarrafando as estradas com enormes camiões, só para nos entregar as encomendas horas após termos clicado no botão de compra de algo que o anúncio no nosso ecrã de telemóvel já sabia – ainda antes de nós – que nós queríamos. Vemos mais publicidade do que antes, mas não através da televisão, cujas audiências estão em declínio. Quem quer ver anúncios ao intervalo? Entretanto, milhões vagueiam, sem destino, nos seus dispositivos, sem saber o que procuram, mas, ainda assim, incapazes de sossegar sem os estímulos tácteis do tap e swipe.

Este não é apenas, no entanto, um problema da tecnologia. A popularidade do basebol tem caído desde os anos 80. O grande passatempo americano demora muito tempo para a vida ocupada dos americanos. A verdade é que, nos anos mais recentes, a duração dos jogos de basebol tem crescido, mas é a lentidão da ação, a penosa estratégia de marcar os pontos, e não a duração do jogo que parece alheia ao mundo contemporâneo.

Consideremos também a popularidade crescente do jogo. Estes jogos nada têm a ver com a estatística – se assim fosse, ninguém jogaria exceto os génios matemáticos do blackjack. Quer seja a raspadinha na estação de serviço ou as slot machines nos casinos, o jogo é a libertação terapêutica da dor financeira de que muitos sofrem.

Os humanos mudaram? Estará Salomão errado? No fim de contas, foi ele que declarou, “não há nada de novo sob o Sol”. Estaremos perante uma nova natureza humana? Provavelmente não. Ao longo da história, os humanos sempres se debateram com a paciência. Este traço de personalidade tem sido alvo de preocupação de todas as tradições espirituais desde as mais ancestrais até hoje. Por que motivo somos hoje menos pacientes? Resposta curta: Nós treinamos a impaciência.

As virtudes são aprendidas ao longo do tempo com a prática consistente. A tecnologia é apenas o último meio que desenvolvemos para atrofiar a paciência que temos e nos distrairmos a treiná-la.

Isto afeta os mercados financeiros porque eles são movidos por investidores humanos. Um pouco mais de metade do país tem ações e pode-se dizer com certeza que a maioria sabe muito pouco acerca das ações que tem em carteira. O patrão subcontratou o fundo de pensões a alguém que o colaborador provavelmente nunca vai conhecer. A vasta maioria não tem qualquer envolvimento com as ações em carteira e a sua própria paciência, ou falta dela, é provavelmente mais claramente demonstrada pelos seus hábitos de consumo do que pelo seu comportamento de trading. Isto realça simplesmente o impacto desproporcionado que a disposição daqueles que realmente controlam o mercado tem no comportamento dos preços das ações.

Quer estejamos a falar de um CEO que acabou de tomar posse e cuja remuneração depende da performance da ação ou de um gestor de fundos de pensão compreensivelmente ansioso com as quedas num ambiente de juros baixos, a impaciência pode mover mercados – e com uma violenta volatilidade.

O trading com algoritmos de alta frequência é simplesmente um acelerador deste truísmo, criando desvios do valor muito mais pronunciados do que a média histórica.

Na medida em que os gestores de hoje têm a pressa e a impaciência entranhadas nas suas vidas profissionais, os mercados em que eles transacionam refletem essas inclinações. Que os impacientes atentem a este alerta. À medida que demasiada dívida é acumulada para incentivar um crescimento cada vez mais lento ou demasiada alavancagem é assumida para conseguir melhores retornos ou seguem a última moda que ouviram na Squawk Box, estamos a treinar a impaciência.

Os cautelosos e temperados fazem bem em evitar este “recreio da impaciência”, uma vez que, especialmente no mundo das finanças, ele leva-nos para um fim invariavelmente infeliz.


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