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Autoria
Paulo Miguel Leite
Paulo Miguel Leite

INTUITIVE SURGICAL: O FUTURO DA SALA DE CIRURGIA

Nos anos 80 do século passado, o SRI International, um instituto de investigação nascido na universidade de Stanford, desenvolveu um protótipo de robot de cirurgia que captou a atenção do Departamento da Defesa norte-americano, interessado em desenvolver um sistema que permitisse aos cirurgiões operar remotamente soldados feridos em frente de batalha. Em 1995, três quadros da indústria de equipamentos médicos (Frederic Moll, Robert Younge e John Freund) adquiriram a propriedade intelectual desse projeto e fundaram a Intuitive Surgical. Cinco anos mais tarde era lançado comercialmente o Da Vinci, um robot que permite a um cirurgião operar sentado numa consola e manipulando um conjunto de braços mecânicos que controlam a câmara e os instrumentos utilizados na intervenção, introduzidos no corpo do paciente por pequenas incisões. Em vez do esforço físico associado a uma cirurgia tradicional, o cirurgião trabalha como se estivesse num jogo de vídeo, beneficiando de um sistema de visualização avançado, elevada precisão e capacidade de alcançar os locais mais recônditos da anatomia humana. Idealizado para a cirurgia cardíaca, o robot rapidamente se revelou mais eficaz noutro tipo de cirurgia: a prostatectomia, a remoção parcial ou total da próstata. A capacidade de manobrar os instrumentos numa zona altamente sensível revelaram-se determinantes e hoje em dia mais de 95% das prostatectomias realizadas nos EUA utilizam meios robóticos.

 

 

Ao longo dos anos, o robot Da Vinci tem recebido aprovação das autoridades médicas para ser utilizado em vários tipos de intervenções desde cirurgia geral até urologia, ginecologia, cardiotorácica e cabeça e pescoço. O sistema permite aos cirurgiões operar com um nível de visão, precisão, controlo e conforto acima da laparoscopia tradicional e traz vantagens para os pacientes ao reduzir a perda de sangue durante a cirurgia, os tempos de hospitalização e as taxas de complicações. Em muitas especialidades, a redução dos períodos e custos de hospitalização permite registar poupanças significativas que já compensam o custo do robot de cirurgia, mesmo em comparação a uma cirurgia laparoscópica, que já é muito menos invasiva que a cirurgia aberta tradicional.

CRESCIMENTO DA INTUITIVE SURGICAL

Com o sucesso do Da Vinci, a Intuitive rapidamente se tornou a líder incontestada da cirurgia robótica, tendo uma quota de mercado superior a 90% em cirurgias robóticas de tecidos moles. Esse sucesso está espelhado no crescimento dos volumes de cirurgias realizadas com o robot Da Vinci, que evoluíram a uma taxa anual de 15% ao longo da última década. Em 2022, realizaram-se quase 2 milhões de procedimentos com aquele robot e este número não vai ficar por aqui: no primeiro semestre de 2023, o crescimento está inclusivamente a acelerar, com mais 24% de cirurgias realizadas que no primeiro semestre de 2022.

Este crescimento tem-se projetado cada vez mais na área internacional. Os EUA ainda representam cerca de 70% dos procedimentos, mas é noutros países que se tem registado o maior crescimento. As taxas de penetração do robot na Europa ainda são muito inferiores ao que se observa nos EUA. A capacidade financeira de muitos sistemas públicos de saúde é limitada e um robot de cirurgia requer um investimento de capital considerável (o custo médio do robot ronda 1,4 milhões de dólares), mas a própria Intuitive está a desenvolver soluções para esse problema financeiro: o leasing operacional, em que o elevado investimento inicial é substituído por um sistema de rendas mensais, já representa cerca de metade das colocações de novos equipamentos.

O crescimento do volume de procedimentos é particularmente relevante porque é a principal variável para a formação de receitas da Intuitive. Cerca de metade das vendas da empresa são realizadas através dos instrumentos e consumíveis utilizados nas cirurgias, o que aproxima o modelo de negócio do modelo “razor and blades” (colocar os equipamentos a baixo custo e ganhar dinheiro através dos consumíveis necessários à sua utilização). Por isso, a Intuitive tem crescido as receitas a 15% nos últimos 5 anos, ostentando margens operacionais ajustadas que se têm aproximado dos 40%, o que lhe permite ter uma elevada geração de cash flow e um retorno sobre o capital investido excecional.

Este sucesso atrai concorrentes. Duas das maiores empresas de equipamentos médicos, a Medtronic e a Johnson & Johnson, têm projetos de robots de cirurgia para competir com a Intuitive. A Medtronic já lançou inclusivamente o seu robot, o Hugo. A Johnson & Johnson deverá lançar o Ottava em 2024. Mas ambas as empresas têm um atraso de cerca de 20 anos que não é fácil de recuperar. Enquanto se realizam as primeiras cirurgias no Hugo, a Intuitive já acumulou um capital de experiência de mais de 12 milhões de cirurgias e a empresa não está parada. Continua a investir uma parte considerável do seu cash flow em R&D: gastou em investigação cerca de 14% das vendas em 2022, quase 900 milhões de dólares, o que lhe deverá permitir continuar a desenvolver as capacidades e competências do sistema. E também está a desenvolver novos sistemas. Em 2019, lançou o Ion, um sistema endoluminal que utiliza uma plataforma robótica para a execução de biópsias pulmonares, entrando na área de diagnósticos médicos.

CUSTOS DE MUDANÇA

A Intuitive detém uma série de patentes (4 300 concedidas e 2 100 pendentes) que protegem a propriedade intelectual associada aos seus sistemas cirúrgicos. Mas um dos seus ativos mais importantes é a base instalada de mais de 8 000 robots e os mais de 60 000 cirurgiões com formação no Da Vinci. O sistema tornou-se o padrão da cirurgia robótica, permite aos cirurgiões operar numa posição confortável, com um sistema de visão melhorado e elimina os tremores que aparecem com a idade. E os cirurgiões que já usam o Da Vinci têm uma enorme relutância em trocar para outra plataforma: a habituação a uma determinada configuração e o tempo necessário para aprender a trabalhar com outro equipamento, num ambiente crítico em que está a vida de um paciente em causa, constituem um elemento tremendo de resistência à mudança. Há mesmo o caso de cirurgiões que têm relutância em mudar quando a Intuitive atualiza a plataforma, querendo evitar as pequenas alterações de configuração do sistema. Além disso, todos os anos saem da universidade milhares de cirurgiões já treinados no sistema Da Vinci e que nem sequer querem fazer formação em laparoscopia (algo que lhes vai levar até 5 anos). Esta familiaridade com o sistema acaba por elevar uma barreira à mudança que defende a Intuitive dos seus concorrentes, fortalecendo a sua vantagem competitiva.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

No segundo trimestre de 2023, a Intuitive iniciou o lançamento do CASE Insights, uma ferramenta que opera com o sistema Da Vinci e com dados hospitalares para construir modelos de Inteligência Artificial que encontrem correlações entre técnicas cirúrgicas, populações de pacientes e resultados cirúrgicos. A incorporação deste tipo de modelos vai alargar as vantagens da cirurgia robótica face às opções de cirurgia aberta e de laparoscopia. Já se perspetiva uma série de inovações que vão fazer evoluir a sala de cirurgia para um novo patamar. O sistema pode vir a identificar estruturas anatómicas automaticamente, emitir alertas consoante a evolução da cirurgia, automatizar a configuração do equipamento consoante o tipo de cirurgias ou até mesmo realizar algumas tarefas simples de forma autónoma. Também aqui a Intuitive parte com uma vantagem destacada, devido à experiência acumulada que ultrapassa largamente os seus concorrentes e que lhe permitirá estar na vanguarda destes desenvolvimentos.

CONCLUSÃO

A Intuitive tem um potencial de crescimento considerável devido ao aumento da penetração do sistema Da Vinci nas especialidades já existentes, conquistando terreno à cirurgia aberta e à laparoscopia, em particular na área internacional. Além disso, a empresa deverá beneficiar do alargamento do sistema a novos tipos de cirurgia e do desenvolvimento de novas funcionalidades com base na inteligência artificial. Tem uma invejável saúde financeira, com uma posição de tesouraria líquida de quase 7 mil milhões de dólares e gera mais de mil milhões de Free Cash Flow por ano. Quase 80% das receitas são recorrentes (instrumentação, consumíveis e serviços de manutenção) e deverão continuar a crescer fortemente ao longo da próxima década à medida que cresce a base instalada e as taxas de utilização dos robots de cirurgia. Tem à sua frente uma equipa de gestão que tem conduzido a empresa de forma excecional, tanto na vertente tecnológica como na vertente financeira. É, por isso, uma empresa que cumpre os pilares de investimento que consideramos essenciais: avenidas de crescimento indiscutíveis, vantagens competitivas sólidas e gestores de excelência.


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