

Há idiotas por aí - Os sete pilares das bolhas nos mercados
Artigo da autoria de Owen A. Lamont e originalmente publicado em Owenomics: Observations on Behavioral Finance & Markets
Parece que nos encontramos no centro de uma furiosa bolha na bitcoin. O mercado acionista, ou pelo menos a sua franja lunática das ações de memes e empresas relacionadas com cripto, não está muito atrás. Como compreender as origens destas manias especulativas? Eis sete frases de importância intemporal:
1. Há idiotas por aí. Olhe à sua volta.
2. Todos deveriam ser ricos.
3. Ninguém sabe nada.
4. Um fanático é alguém que não é capaz de mudar de opinião e não quer mudar de assunto.
5. Quanto maior a confusão, melhor.
6. Número sobe.
7. Desta vez é diferente.
1. Há idiotas por aí. Olhe à sua volta.
As bolhas tipicamente envolvem otimistas irracionais. Embora seja teoricamente possível ter uma bolha sem irracionalidade, na prática as bolhas são alimentadas por uma vaga de principiantes crédulos, que são ignorantes, têm pouca literacia financeira e só querem enriquecer depressa.
“Há idiotas por aí. Olhe à sua volta.” Estas são as primeiras duas frases de um lendário, mas não publicado, paper de Larry Summers. A primeira frase dá-nos a hipótese (inegável) e a segunda frase fornece as provas (irrefutáveis), em apenas oito palavras.
Eu nunca li este paper, mas Thaler (2015) descreve-o.
Que existem idiotas nos mercados financeiros não é controverso. A controvérsia é se esses idiotas têm impacto nos preços de mercado. Há três opiniões:
· A perspetiva do mercado eficiente. Sim, há idiotas, mas eles não interessam porque se cancelam mutuamente, ou porque as suas ações são imediatamente compensadas pelas ações dos não-idiotas.
· A perspetiva Grossman-Stiglitz. Os idiotas são um ingrediente necessário para um mercado parcialmente eficiente onde os traders racionais recolhem informação e ganham dinheiro a transacionar com idiotas, que sistematicamente perdem dinheiro. Os idiotas (mais educadamente, traders pouco informados ou jogadores) são o lubrificante que permite que a informação seja incorporada nos preços.
· A perspetiva das finanças comportamentais. Os idiotas fazem variar os preços, criando bolhas ou dissonâncias entre o preço de mercado e o valor intrínseco dos ativos, que podem durar anos.
Para mim, a perspetiva das finanças comportamentais parece-me cada vez mais relevante.
2. Todos deveriam ser ricos.
Este é o título do espetacularmente inoportuno artigo de John J. Raskob, que incentivava os americanos a comprar ações, na edição de agosto de 1929 da Ladies Home Journal.
Não há nada de errado em comprar ações, mas comprar ações em 1929, especialmente fundos fechados sobrevalorizados e cheios de dívida não era a coisa certa a fazer. Talvez todos devam ser ricos, mas nos anos 30, todos ficaram pobres, especialmente quem comprou ações.
As bolhas geralmente invocam visões gloriosas de um futuro utópico de prosperidade ilimitada. Raskob fazia parte de uma longa tradição de “democratizar as finanças”, que na prática significa vender ativos sobrevalorizados a incautos.
3. Ninguém sabe nada.
William Goldman (2012), famoso argumentista, sobre Hollywood: “Ninguém sabe nada… Nem uma pessoa em toda a indústria do cinema sabe com certeza absoluta o que vai funcionar. É sempre um palpite e, se tivermos sorte, um palpite informado.” Isto aplica-se a dobrar a Wall Street: ninguém sabe que ativos vão subir. Na realidade, há teorias que dizem que os preços dos ativos são completamente imprevisíveis.
O corolário de “ninguém sabe nada” é que alguém que diga que tem algum conhecimento de eventos futuros é um charlatão. Os charlatões vêm em muitas formas e feitios: analistas hiperbólicos, influencers nas redes sociais e CEO’s megalómanos. Uma novidade recente é a ascensão dos charlatães cripto, uma espécie invasiva que é cada vez mais comum nos mercados.
Eis John Kenneth Galbraith (1994):
Quando surgirá o novo episódio especulativo? E em que local vai ocorrer? Para estas questões, não há respostas. Ninguém sabe; e quem presume saber a resposta, não sabe que não sabe.
Galbraith está a descrever charlatães da variedade Dunning-Kruger: demasiado ignorantes para saber que os desfechos no mercado financeiro são inerentemente imprevisíveis – ver Dunning (2011).
Por que motivo as pessoas dão ouvidos a charlatães? Considere as seguintes respostas à pergunta: “A bitcoin vai subir no próximo ano?”
· Minha resposta: “Não sei.”
· Resposta de um charlatão: “A bitcoin vai subir50% à medida que mais empresas maximizam as suas receitas inversas com hiper computação encriptada. A bitcoin é mais segura que dinheiro.”
Quem parece mais confiante? Quem oferece conselhos para agir? Eu não. Embora ninguém saiba nada, não é difícil encontrar charlatães que alegam saber tudo.
4. Um fanático é alguém que não é capaz de mudar de opinião e não quer mudar de assunto.
Esta definição, atribuída a Churchill ou Truman, descreve os maximalistas da bitcoin, que estão no centro da bolha atual. Estes zelotes dedicam alegremente horas do seu tempo a explicar porque é que a bitcoin é a resposta para os problemas do mundo.
No paper de Pedersen (2022), os otimistas fanáticos desempenham um papel importante na geração de preços errados. Transmitem as suas mensagens cor-de-rosa, operando como influencers ou líderes de pensamento” cujas ideias se disseminam através do ecossistema de informação.
A bitcoin, assim como todas as criptomoedas, parecia perto da morte em 2022. Mas não para os maximalistas da bitcoin. Uma vez que não conseguem mudar de opinião, e não mudam de assunto, continuam a espelhar a sua mensagem pro-bitcoin, qual febre tifoide que infecta a população.
5. Quanto maior a confusão, melhor.
Por que razão é a bitcoin boa? Para que serve a bitcoin? Estas são questões simples, mas que não têm respostas simples e as que são dadas mudam a cada ano que passa.
A mística matemática da bitcoin é uma qualidade, não é um defeito. Se ninguém consegue compreender o propósito da bitcoin, como consegue provar que não tem propósito? Os esquemas de Ponzi envolvem frequentemente ofuscação e complexidade. Segundo Chancellor (2000), o responsável pela Bolha dos Mares do Sul em 1720 afirmou, alegadamente:
Quanto maior a confusão, melhor; as pessoas não podem saber o que estão a fazer, o que as torna mais ansiosas para fazer o que queremos.
Considere o que Jack Dreyfus escreveu em 1960:
Peguem numa pequenas empresas que fabrica cordões para sapatos há 40 anos e que transaciona a um rácio respeitávelde 6 vezes os lucros. Mudem o nome de Shoelaces, Inc. para Electronics &Silicon Furth-burners. No mercado de hoje, a palavra electronics e silicon valem 15 vezes os resultados. No entanto, o verdadeiro segredo é a palavra furth-burners, que ninguém compreende. Uma palavra que ninguém compreende duplica o preço.”
A bitcoin é o furth-burner da atualidade. Ninguém a compreende e, por isso, é que a adoram.
6. Número sobe
Não precisam que eu vos diga que “número sobe” captura a dinâmica central dos mercados financeiros. Também é conhecido por extrapolação, FOMO ou a Lei dos Influxos Perseguidores de Retorno: o dinheiro segue os retornos.
“Number Go Up” é o título do excelente livro de Zeke Faux sobre a ascensão e queda da criptomoeda até 2023. Infelizmente, vai ter de escrever uma sequela.
7. Desta vez é diferente
Eis a citação completa de Sir John Templeton:
O investidor que afirma, “Desta vez é diferente”, quando na realidade é virtualmente uma repetição de uma situação anterior, acabou de proferir as quatro palavras mais dispendiosas dos anais do investimento.
Obviamente é verdade que os mercados hoje são, de facto, diferentes. Cada um dos mercados é, pelo menos, parcialmente diferente doutros mercados da história. A sabedoria é ser capaz de compreender os padrões gerais subjacentes e não as diferenças sem importância.
Charles Mackay escreveu o best seller Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, que estudava várias bolhas históricas. Apesar de ter publicado o livro em 1841 onde deplorava as bolhas, o próprio Mackay, em 1845, foi “apanhado” na bolha dos caminhos de ferro britânicos e defendia a compra de ações.
Eis Mackay no topo da bolha, negando que a bolha fosse uma bolha, tal como descrito em Harford (2023):
Estamos convictos que aqueles que estão a soar os alarmes de uma crise próxima nos caminhos de ferros, estão a exagerar o perigo.... Poderá parecer sábio para os descuidados ou para os ignorantes reconhecer semelhanças…. Aqueles, no entanto, que analisam com maior profundidade o assunto e pensam por eles mesmos não conseguem discernir semelhanças suficientes nas causas para antecipar similaridade nos efeitos.
Tradução: Desta vez é diferente.
Referências:
Chancellor,Edward. Devil take the hindmost: A history of financial speculation.Penguin, 2000.
Dunning,David. "The Dunning–Kruger effect: On being ignorant of one's ownignorance." In Advances in experimental social psychology,vol. 44, pp. 247-296. Academic Press, 2011.
Faux,Zeke. Number go up: Inside Crypto's wild rise and staggering fall.Random House, 2024.
Galbraith,John Kenneth. A short history of financial euphoria. Penguin, 1994.
Goldman,William. Adventures in the screen trade. Hachette UK, 2012
Harford,Tim. “What the poet, playboy and prophetof bubbles can still teach us,” The Financial Times, January 26, 2023.
Pedersen,Lasse Heje. "Game on: Social networks and markets." Journal of FinancialEconomics 146, no. 3 (2022): 1097-1119.
Thaler,Richard H. Misbehaving: The making of behavioral economics. WWNorton & Company, 2015.